Roberto Carlos e sua fase soul

Antes de ser o “rei” e enveredar por baladas românticas escritas no automático ou temas de pouca importância a música de Roberto Carlos era algo muito relevante, inquieto, criativo e influente.
Aberto a influencias diversas e ‘antenado’ com o que acontecia no mundo, ao contrário do RC de hoje que vive trancado em seu mundo.
Ao abandonar temas clássicos do rock´n´roll como carros, garotas em rimas simplistas do tipo “mim/assim/enfim” o cantor se tornava então um artista maduro musicalmente, não que as rimas melhorassem muito, porém as letras começavam a ter temas mais adultos e arranjos mais sofisticados que iam à direção à soul music e ao funk.

“Soul” é o rotulo que foi dado a musica negra dos EUA para encampar as canções e criações de uma safra genial de compositores e cantores como Al Green, Marvin Gaye, Aretha Franklin em sua fase fora do gospel, James Brown e outros papas do balanço.
RC e seu amigo Erasmo Carlos, o tremendão, ouviam muito isto no fim dos anos sessenta e resolveram que também poderiam fazer aquele tipo de música.
A guinada rumo a música negra norte-americana começa em 1969.

O disco deste ano, O inimitável que é um dos poucos discos de RC a ter um titulo e não apenas seu nome na capa marca o inicio da ‘fase black’ do homem.

Baladões confessionais, arranjos calcados em contrabaixo e bateria que realmente conduziam a melodia eram a tônica do álbum. A revolução estava a caminho e as indicações eram muitas.
Desde o soul épico quase desesperador de “E não vou mais deixar você tão só”, passando baladão confessional “Quase fui lhe procurar”  de Getúlio Cortes até os funks “Não há dinheiro que pague” e “Ciúme de você”,  a violenta “Se você pensa” (...Daqui pra frente Tudo vai ser diferente Você tem que aprender a ser gente...) tudo alí é muito diferente do ídolo teen da jovem guarda.
Até a terna balada “Eu te amo, eu te amo, eu te amo” soava mais adulta, mais madura.

No mesmo ano ele lança um disco tremendamente violento, como nunca havia feito e nem voltou a fazer em momento algum de sua carreira. Na capa que leva só seu nome ele aparece sentando na praia, pensativo.

“As flores do jardim de nossa casa” que pasmem, não é uma canção de amor, mas sim um desabafo emocionado sobre a doença de seu filho.
E até as canções mais ‘românticas’ soavam violentas como “Sua estupidez” (...Sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo/Meu bem/Use a inteligência uma vez só/Quantos idiotas vivem só...).
 Emblemática é a versão de “Não vou Ficar” de Tim Maia que, reza a lenda, fez o síndico sentir uma pontinha de ciúme.

Em 1970 põe novamente apenas seu nome na capa e lança um disco um tanto pessimista.
As canções carregam temas como “O astronauta” que mostra alguma preocupação social.
Sua fixação em musica negra continua e além do soul áspero de “120, 150,200 km por hora” tem também “Jesus Cristo” que hoje é vista como marco de seu rito religioso, mas que foi feita com intenções nada sacras e segundo Erasmo, foi decalcada nas músicas da opera rock ‘Aquarius’ e que eles nem sabiam o que era musica gospel naquele tempo.

Em 1971 seu long-play traz aquele hit que é considerado sua obra prima: “Detalhes”. Mas é nas músicas mais balançadas que se nota que seu namoro com o funk se tornou um caso sério.

“Todos estão surdos” tem uma levada que contagia qualquer um e de novo tem tinturas religiosas (gospel) e junto com “Eu só tenho um caminho” fecham esta fase de sua carreira.
Uma curiosidade sobre este álbum é que ele trás talvez sua única ‘subversão’ política na homenagem em que faz a Caetano Veloso, que à época estava exilado em Londres, expulso do país pelo governo militar: “Você olha tudo e nada/Lhe faz ficar contente/Você só deseja agora/Voltar pra sua gente”.
“Debaixo dos Caracóis de Seus Cabelos” é linda e emocionante.

Outra pequena maldade neste LP é descobrir que RC também podia ser ‘safado’: “Se eu agi assim/Foi somente pra saber/Se existe por aí/Alguem melhor do que você”. 
O futuro “Rei” confessa em “Você não sabe o que vai perder” que traiu!
Os discos que vieram depois marcam o acomodamento e a retração de sua verve criativa.
Para muitos é o começo de sua decadencia apoiada em muito sucesso e um fã clube extraordinariamente grande.
Tornou-se rei, porém perdeu a majestade criativa.

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