Yesterday: Aposta de roteiro engloba “ficção” sentimental e o sucesso de The Beatles

Recentemente a indústria cinematográfica tem investido em algumas fórmulas para atrair o maior público possível para os cinemas.  Em vista dos grandes sucessos das séries televisivas – especialmente aquelas produzidas pelas empresas de streaming -, algumas apostas são certeiras para as telonas: filmes com seqüências (simulando os histórias em capítulos), franquias de super-heroís (com enredos sobre as origens dos personagens nos filmes solos e aparições dos mesmos em grupos/ligas, geralmente interligando histórias como num seriado em que se depende dos episódios para ter um contexto), adaptações de livros “best sellers”, reboots (que são uma nova visão de algum outro longa já existente),  live-actions (uso de atores reais para reproduzir animações ou jogos eletrônicos), e etc.
Premiações como Oscar e Globo de Ouro, nos anos anteriores tivemos uma sombra do que os produtores de cinema estavam apostando para esse ano e talvez o próximo: investir em musicais. Além daqueles tradicionais, com atores explorando o seu outro lado interpretativo contando uma história com melodia e letras, havia também os filmes populares que abusaram de trilhas temas de bandas ou solistas conhecidos. Chamo a atenção para os filmes de adaptações de quadrinhos, que volta e meia, fazem resgate de um período musical para compor a trilha dos filmes – e o melhor exemplo é o longa “Guardiões das Galáxias Vol.1”.
Tomando essa ideia, em 2018 tivemos dois filmes muito aclamados pela crítica que usaram a música como pano de fundo: “Nasce Uma Estrela” e “Bohemian Rhapsody”. Ambos, por sinal, concorreram às principais categorias no Oscar e trouxeram qual seria uma das apostas dos roteiristas daqui por diante: o primeiro é reboot que usou músicas “novas” impactantes e uma já conhecida cantora pop que (apesar as minhas ressalvas pessoais) é considerada uma das melhores do gênero, e o outro longa seria o primeiro de alguns outros do tipo biográfico, fazendo recortes específicos de uma das mais aclamadas e talentosas bandas inglesas de todos os tempos:  Queen.
Em 2019, vieram as estréias de biografias: um filme sobre os mais loucos anos da banda de glam rock Mötley Crüe (que foi lançado pela Netflix), a biografia do cantor Elton John desde sua infância até os seus momentos mais críticos e pessoais já famoso e adulto, em “Rocketman” (que concorre à Globo de Ouro de Melhor Filme Musical, agora, na premiação de 2020). Ainda neste ano, “Yesterday” – um filme do diretor Danny Boyle, que teria The Beatles como pano de fundo para uma comédia romântica. A sinopse: a história de um cantor decadente, sem sucesso com as suas composições, num belo dia, se vê num mundo em que é o único a conhecer as músicas dos Beatles. Todas as composições do quarteto desapareceram magicamente depois de um blackout global e ele torna-se famoso “reproduzindo” as canções como se fossem dele.
Aproveitando que o conceito de multiverso super bem desenhado na cultura pop com os filmes recentes da Marvel, os roteiristas Jack Barth e Richard Curtis foram nessa onda. Não procure por uma explicação científica para entender o que houve para a personagem de Jack Malik (Himesh Patel) se tornar a única pessoa na Terra que se lembra dos Beatles após o blecaute. Você não irá encontrar. E isso, por mais estranho que possa parecer, não muda em nada no roteiro. Embora aconteça de mais outras pessoas aparecerem sabendo quem são os reais donos das músicas, a explicação para que, num mundo paralelo, mais de 90% da população do mundo não saberem quem são John, Paul, Ringo e George é surreal, mas não quebra o entendimento de todo o longa.
Recheado de referências às músicas, inclusive nos diálogos entre as personagens, o filme é um comédia romântica antes de ser apenas um “musical” tradicional. Entoa inseguranças de um músico que, pela questão moral entra em conflito interno pelo seu “roubo” de composições não suas ao mesmo tempo em que enfrenta peculiaridades na sua vida pessoal. 


Escrever mais pode estragar o filme para quem ainda não assistiu, mas é bem claro, apesar de previsível, Boyle sutilmente nos apresentou uma história que arranca sorrisos (e quem sabe, aos fãs mais sensíveis dos Beatles) até lágrimas. O jeito encontrado de amaciar o coração dos nostálgicos fãs da banda sobre mais uma vez incentivar a importância dela na cultura mundial e, como mais ou menos Baz Luhrmann tentou resgatar Shakespeare para os jovens com sua adaptação de “Romeu + Julieta” (1996), sobre a importância de se conhecer os grandes do passado, tornou o filme uma homenagem tão rica que pareceu brincadeira de criança dada a simplicidade do resultado. 
Não há nada de inovador ali. Há pouquíssima tecnologia. O filme é ainda assim profundo pelo simples fato de tocar fãs que partilharam o tempo dos músicos no auge, e que sentiram o que a banda pode oferecer durante as décadas que estiveram em formação, que foram arrebatados pelas suas músicas, felizes como nunca. Num mundo sem o conhecimento deles, seriam pessoas totalmente diferentes. Dado o sucesso que fizeram, tratados como fenômeno, Jack Malik ao reproduzir no seu tempo as mesmas músicas que ninguém nunca ouviu, se torna um cara que toca o coração de muitos outros, repetindo o fenômeno da banda só que na contemporaneidade. 
Estes fãs que sentiram todo o arrebatamento na década de 60 e 70 souberam passar aos seus filhos, que cresceram ouvindo The Beatles, sendo incentivados a moldarem o seu próprio gosto musical, sem deixarem de lado toda influência do passado – que de certa forma, é canalizado também na figura do decadente músico, que ganha destaque graças ao que ele conhece dos antigos. A mensagem parece ser essa: de forma aprimorada e curiosa, a nova geração poderia também passar a conhecer e valorizar o que já esteve lá antes deles. Com a rapidez nas comunicações, alguns conhecimentos triviais estão sumindo aos poucos e isso pode ser trágico.
Essa é – a meu ver – o grande destaque de todo o longa. Mais do que participações especiais ou o bom uso da tecnologia para contar uma história, o filme realça aquilo que a música faz de melhor com a nossa alma: nos anima e nos transforma. E é preciso valorizar o que se passou, com um olhar atento.

Fica aqui também a mensagem: musique-se, sinta e se transforme! 

E sejam todos, bem vindos!

Trailer Legendado (YouTube)

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