Camisa de Vênus: 40 anos de rock and roll de verdade

Este ano o Camisa de Vênus, banda das mais importantes do rock nacional, completa 40 anos de atividades.
Com seis discos de estúdio e mais quatro ao vivo, a formação atual conta com, além dos fundadores Marcelo Nova e Robério Santana, Drake Nova, filho de Marcelo e eximio guitarrista, Leandro Dalle também na guitarra e Célio "cadilac" Glouster na bateria.
Toda homenagem que ser prestar a este conjunto baiano, legitimos herdeiros de Raul Seixas, é pouco.
Aqui, ao invés de contar a já tão contada história da banda, passando pela escolha do nome, vamos dar enfoque à um dos discos mais importantes do rock nacional. O desbocado e honestissímo Viva! de 1986.
Nunca houve um disco como esse na história da música no país.
Musique-se!

O rock nasceu indecente e – principalmente – politicamente incorreto, mas no Brasil nasceu inocente e demorou um pouco para pegar o jeito.
Precisou a segunda onda de rock and roll no país para aparecer um grupo que conseguisse navegar no mainstrean com a mesma boca suja e sacanagem com que transitava pelo circuito underground.
E quer mais? Circuito underground de Salvador, Bahia.
O Camisa de Vênus era contratado da RGE (Não... Não vou contar a história do nome da banda) e havia gravado dois discos: um homônimo em 1983 e Batalhões de Estranhos (1984) que rendeu o hit “Eu Não Matei Joana Darc”, porém estava descontente com a direção artística que podava as reais intenções de Marcelo Nova e companhia.
Pensaram seriamente até em não gravar mais nada até que em uma noite qualquer de show, André Midani - visionário e então diretor da gravadora WEA - que estava na plateia, invade o camarim da banda empolgadíssimo e pergunta o que teria de fazer para contratar “aquele insulto” que ouvira no show.
Sentindo a chance de finalmente poder fazer o que tinha em mente, a banda se reanima e aceita o assédio se rendendo à Midani, porém, havia um detalhe: o grupo ainda devia um disco à RGE que acabou aceitando a proposta de que fosse um registro ao vivo, pensando obviamente em poder ter um produto de sucesso nas mãos tal qual o multi platinado “Rádio Pirata ao Vivo” do RPM, que vendera um caminhão de cópias alguns anos antes e ajudara a dar o pontapé no chamado BRock dos anos 80.
Mas estes não eram os planos de Marcelo Nova... Não completamente.
O cantor e compositor queria algo que fosse o oposto total do disco da turma do Paulo Ricardo.
E o que se ouviu quando finalmente o disco ganhou as lojas foi exatamente isto.
A começar pelo som...
A critica especializada dizia à época que nunca houvera um disco ao vivo no Brasil com tamanha qualidade, tão redondo e com som tão cristalino quanto o disco do RPM.
Já o do Camisa era tosco, direto, sem overdubs, sem correções, com microfonias, erros e palavrões... Muitos palavrões.

Viva! nome que o disco ganhou, nem contém o show na integra, mas apenas uma parte dele ajeitado para parecer uma apresentação inteira e já abre com os berros da platéia: “bota pra fuder” antes de “Joana Darc”, o que se tornaria o de grito de guerra dos fãs e da banda.
O discurso em “homenagem” ao dia internacional da mulher (o disco foi gravado em 8 de março de 1986) que Marcelo profere antes de “Silvia” é de irritar qualquer feminista, a música que se segue então da nó nos seus pelos pubianos. Na versão em CD o discurso foi sumariamente limado assim como a faixa "Rotina".
“My Way”, versão safada do grande sucesso de Anka e François na voz de Sinatra é outro clássico da baixaria.
Ninguém sai impune: religiosos, esquerda, direita, descolados, nerds, trabalhadores, vagabundos... Todos são ofendidos por igual.

Já escaldado com a censura em seus discos anteriores, Marcelo Nova decide não enviar o material deste álbum para o órgão censor aproveitando a abertura política em curso desde 1985, porém, quando 40 mil cópias do disco já estavam vendidas, a tesoura da dona (in)justa atacou e chegou mesmo a recolher as cópias do álbum que estavam ainda nas lojas.
Cena presenciada por Marcelo Nova em uma de suas visitas às lojas para sentir o clima das vendas o que levou Marcerlo a pensar no paradoxo de estarem prendendo o disco com as coisas que ele fala, mas nem o incomodarem...
Apesar, ou por conta disto, o disco ganhou novo impulso e após a liberação com o selo: “proibida a execução pública e radiodifusão desta obra” chegou a vender 180 mil cópias, sendo até então o segundo disco ao vivo mais vendido na história do país, atrás apenas do LP do RPM.
Porém, se perguntarem aos roqueiros qual eles preferem, onze entre dez dirão: Viva!
A conversa está longa e está encerrada.

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