Influência da literatura de Tolkien na música - parte V - Black Sabbath

Pergunta singela: Qual dia é hoje?
Eu aguardo vocês irem procurar por um calendário ou verificare na tela do celular...
Descobriram? Ótimo!
Pois fevereiro é um bom mês para falarmos dessa banda. Ainda mais no dia 13 de fevereiro. E de 2020! Só faltava ter caído na sexta-feira...

"Ok, e daí?", podem perguntar. 
Sem firulas, vamos ao que interessa!

Influência da literatura de Tolkien na música - parte V - Black Sabbath

Sexta-feira dia 13 de fevereiro de 1970. 

"No início havia apenas o céu, em sua noturna e sombria extensão, e o desconhecido. Os mais profundos segredos da história - que só poderiam ser reanimados por forças tão antigas quanto a própria civilização - revolviam nesse inquieto limbo, onde tudo era acinzentado, fumacento, escuro e sagrado. Essas poderosas correntes - por tanto tempo esqucidas e adormecidas até que a guerra, a crise e angústia pudessem despertar e trazer à tona seua mais horrendos poderes - não possuíam definição nem emitiam sons até serem capturadas e subjugadas por uma epifania conhecida como Black Sabbath: a banda primordial, a origem do heavy metal." (Ian Christie no Prólogo de Heavy Metal - A História Completa. Página 13 da edição de 2010 da editora ARX)


Som de chuva. Sinos tocando e trovões ecoando. De repente um som sombrio e pesado inicia-se. A base sonora é composta por apenas 3 notas. Uma voz potente entra na melodia de suspense:

What us this, that stands before me?
Figure in black, wichi points at me...
Turn around quick, and start to run
Find out I'm the chosen one
Oh no!
(O que é isso que se levanta a minha frente? / Um vulto preto que aponta para mim / Viro rapidamente, e começo a correr  / Descobri que eu sou o escolhido  / Oh não!)

Ouvir a música com a capa do disco em mãos garante uma experiência sensorial completa.
Entre zumbidos harmonizados, a música toma uma dimensão que aterroriza e alcança um clímax à medida que o cantor ("o escolhido") tenta escapar do perigo macabro provocado por aquele vulto preto.

Black Sabbath (a banda, não a música) composta por 4 grandes músicos - Tony Iommi  nas guitarras, Geezer Butler no baixo, Ozzy Osbourne nos vocais e gaita e Bill Ward na bateria. Eles chegavam à adolescência num mundo herdado dos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. Nesse cenário destruído ou em ruínas do pós-guerra não é de se espantar que fossem um espécie de desajustados em formação. 
Inciando a exposição musical criativa sob o nome de Pulka Tulk, Ozzy e os demais seguiam os passos das bandas da década de 1960 como Yardbirds e Cream, fazendo jam sessions intermináveis e em altos decibéis nos trilhos dos músicos de blues norte-americanos. O ambiente de Birmingham na Inglaterra modificou o grupo em termos sonoros de forma decisiva: apostavam no blues, mas com uma sonoridade fúnebre, distorcida, e com uma raiva sadia, afinal expunham nas letras os absurdos do mundo caótico pós guerra. 

A primeira canção do disco passou a ser o nome da banda, depois de se chamarem Earth. Também intitulando o disco, o compêndio de canções ali marcaram uma ruptura, um começo identitário e mais que isso, um marco na história da música, especialmente para dar base argumentativa sobre as origens do Heavy Metal. 
Black Sabbath foi lançado no dia 13 de fevereiro de 1970. Hoje comemoramos os seus 50 anos.

Tomando emprestado de novo, o texto de Ian Christie, sobre a capa com aquele vulto macabro que parece de uma bruxa, entre arbustos ressecados numa espécie de casa de campo abandonada, o autor menciona que a imagem remonta Children of the dammed e outros filmes ingleses de terror psicológico e de baixo orçamento. Não deixa de ser também uma influência para sonoridade a as letras do grupo comprovadas já na primeira faixa homônima do disco e da banda.

No encarte, poucos detalhes destacáveis, a não ser um mórbido poema gótico inscrito num crucifixo invertido da qual transcrevo aqui:

"Still falls the rain, the veils of darkness shroud the blackened trees, which contorted by some unseen violence, shed their tired leaves, and bend their boughs towards a grey earth of severed bird wings. among the grasses, poppies bleed before a gesticulating death, and young rabbits, born dead in traps, stand motionless, as though guarding the silence that surrounds and threatens to engulf all those that would listen. Mute birds, tired of repeating yesterdays terrors, huddle together in the recesses of dark corners, heads turned from the dead, black swan that floats upturned in a small pool in the hollow. there emerges from this pool a faint sensual mist, that traces its way upwards to caress the chipped feet of the headless martyr's statue, whose only achievement was to die to soon, and who couldn't wait to lose. the cataract of darkness form fully, the long black night begins, yet still, by the lake a young girl waits, unseeing she believes herself unseen, she smiles, faintly at the distant tolling bell, and the still falling rain."

Envoltos à uma imagem horripilante, embalados por bruxaria e misticismo, e as cruzes de ponta cabeça saltou aos olhos do público que os quatro músicos eram satanistas. Claro que renderam alguns protestos por parte de membros das igrejas cristãs. 
Embora tenhamos aqui feito uma homenagem à data do disco, ainda precisamos cumprir a meta de falar da influência de J. R. R. Tolkien no meio musical. Até a agora, a série deu conta de bandas dos anos 1960 e 1970 que tinham alguma coisa de semelhante entre si, além do autor como escritor de cabeceira. 
Esse seria o nosso engate para mencionar Tolkien no meio do texto sobre Sabbath. E mais uma vez, alguma banda referida a ter alguma influência do mesmo para suas criações artísticas são "opostas" em termos de comportamento. Regrado e conservador cristão, Tolkien não deveria se encaixar em uma banda como Led Zeppelin que tinha um ar todo sedutor e inebriante. Mas encaixou numa surpresa formidável.

Daria também para considerar totalmente repelentes Black Sabbath e Tolkien. Se fosse Edgar Allan Poe a influência dos quatro ingleses, essa circunstância seria bem mais fácil de lidar, mas não é o caso. Por incrível que pareça, os primeiros passos do Heavy Metal encontrou também no maior e mais lido autor de fantasia do século XX a peça que faltava para seu quebra-cabeça. Mais tarde, isso faria pleno sentido. Muitas bandas do estilo teriam pelas obras do Tolkien um carinho especial.

Diferente dos anos 60 em que a contra cultura "mandava" no cenário musical, na década de 1980, se "reaproveitava" o pai do fantástico quando voltaram o interesse por cenários de aventura e realidades alternativas. 
O popular RPG Dungeons & Dragons (D&D) trouxe à tona as jornadas da literatura fantástica para o jogo. Quem ajudou a criar essa ideia desenvolvida por Gary Gygax e Dave Arneson por volta de 1974? Sim, o professor Tolkien, mais uma vez. 
O universo "escapista" do D&D consiste em jogadores que assumem papéis de vários tipos étnicos e sociais: elfos, guerreiros, bardos, magos, e por aí vai. Os enredos dos jogos envolviam vencer monstros e colecionar tesouros como uma espada mágica, poção de cura e etc., ao mesmo tempo em que se perseguia um objetivo heroico maior e final. 
O Heavy Metal absorveu dessa ideia completamente antes mesmo do advento do jogo por Gary e Dave. O melhor exemplo, Ronnie James Dio que na década de 70, era o vocalista da banda Elf - "duende"! - e escrevia letras de fantasia.  E com a saída de Ozzy do Sabbath, nos anos 80, foi ele o escolhido para tomar conta dos vocais. 

Desde os tempos do Rainbow, as letras incluíam Man on the Silver Mountain e Stargazers. Essa última, contava a história de um mago que extirpa a civilização ao tentar construir uma torre de pedra até as estrelas. Seria este, mais ou menos, o mesmo que Saruman fez para se alinhar à favor do levante de Sauron em Mordor?
Ficaria para esmiunçar numa outra postagem, mas o que podemos recortar é que Dio cresceu lendo Sir Walter Scott e histórias arturianas, assim como Tolkien. Enquanto acadêmico, traduziu do inglês médio Sir Gawain e o Cavaleiro Verde - um conto anônimo referido como poeta-Pearl ou poeta-Gawain.
Trata-se de um romance em versos aliterativos do século XIV escrito em inglês médio. O personagem principal da história é Dom Galvão, um cavaleiro da távola redonda e sobrinho do rei Artur. A obra inscreve-se, assim, no ciclo arturiano da chamada Matéria da Bretanha da literatura medieval.  Tornou-se conhecido a partir da sua primeira impressão em 1839, e novamente em 1864 e 1869. Uma das edições críticas mais celebradas é a de 1925 escrita e organizada por J.R.R. Tolkien e seu colega, E.V. Gordon.

A fantasia era interesse de ambos, a imaginação explorada e revertida em boas obras. Dio revelou que, ao se tornar letrista, optou por contar histórias de fantasia foi a coisa mais inteligente que fez. 
Para quem conhece a banda alemã Blind Guardian, concordará com essa "revelação" de Dio. Voltaremos a falar deles, noutra parte dessa série.

Mas voltamos ao Black Sabbath, os exaltados do dia, e ao cinquentão primeiro álbum.


Recentemente, no começo dos anos 2000, descobri algo que não sabia sobre esse disco. The Wizard, a segunda faixa do Black Sabbath (álbum), deveria ter me chamado a atenção a mais tempo, mas não houve a sinapse certa hehehe.... Ouçam comigo:


Menos sombria que a faixa anterior, tinha um jeitão quase psicodélico. Deveria ter sacado pelo título: The Wizard é "O Mago". 
Numa entrevista à Metal Sludge em 2005, o baixista e letrista da banda Geezer Butler disse ter se inspirado na figura de Gandalf para compor a letra. 

11. Give us a quick memory about writing or recording the following songs:
The Wizard = "I was reading Lord of the Rings at the time, and I just based the lyrics on that. Gandalf."

Na letra, efetivamente, não há muito que possamos carimbar que seja, de fato, Gandalf. Se trata mesmo de um mago que espalha feitiços e usa roupas engraçadas, como logo da segunda estrofe:

Casting his shadow
Weaving his spell
Funny clothes
Tinkling bell
(Lançando sua sombra  / Tecendo o encantamento  / Roupas engraçadas  / Retinindo o sino)

Depois do refrão, outro trecho parece se encaixar no mago mais destacado da mitologia tolkieniana:

Evil power
Disappears
Demons Worry
When the wizard is near
(O poder do mal  / Desaparece / Demônios se preocupam / Quando o mago está próximo)

O mal "se esconde" na sua presença. Gandalf venceu o Balrog nas Minas Moria, em O Senhor dos Anéis. Logo após os Valar concede à ele uma espécie de recompensa pela sua luta. A Terra-Média precisava de um novo e poderoso mago para guiar homens, elfos e hobbits, já que Saruman havia se corrompido pelo lado negro. Assim Gandalf, o Branco, é poderoso e aparece sempre com soluções, representadas por uma luz de seu cajado que aniquila toda a sombra maléfica ao redor. E as pessoas, se sentem protegidas com ele por perto.

He has passed by
Giving his sign
Left all the people
Feeling so fine
(Ele passou / Dando seu sinal / Deixou todas as pessoas / Se sentindo tão bem)

É uma bela canção. Não é a mais comentada do primeiro disco, o que é uma pena, pois ela tem todo um requinte interessante e um clima quase alegre. The Wizard também compôs lado B da faixa-título do segundo álbum da banda, Paranoid. O segundo álbum (completo) sairia também em 1970, só que em setembro daquele ano. Outra obra prima da banda que, daqui alguns meses, também completará 50 anos.

Fica aqui a nossa quinta etapa da série com um adendo: uma homenagem aos 50 anos do álbum que contribuiu muito para a criação do Heavy Metal e muitos subgêneros. O nosso eterno obrigado à Tony Iommi, Geezer Butler, Ozzy Osbourne e Bill Ward!


Abraços afáveis!

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