Musique-se recomenda: O Amor no Caos, volumes 1 e 2 - Beleza necessária para dias tão feios

A estratégia de lançamento não foi novidade para Zeca Baleiro e nem para seus fãs, já que o disco O Coração do Homem Bomba (2008 / MZA) já havia sido lançado em duas partes com diferença de meses uma da outra.
Enquanto a primeira parte, segundo o próprio Zeca era “a festa”, enquanto o volume dois trazia canções mais introspectivas.

Já com O Amor no Caos, décimo primeiro disco da carreira de Zeca Baleiro, mesmo também sendo dividido em duas partes não se podia dizer que o volume 1 fosse efetivamente de festa.
As canções eram menos introspectivas do que seriam no volume dois e recorriam ao romantismo para falar do amor naquele ano tão esquisito.
Porém, Zeca não estava– nem nunca esteve – alheio aos tempos vividos pelo país ou pelo mundo.
“O Linchador”, por exemplo, era uma parceria com Rincón Sapiência que  metia o dedo na ferida exposta do “homem cordial”, aquele que faz besteira e diz ter sido levado pelo calor da hora e empolgação do momento, mas na verdade, só está explicitando o que, por dentro, realmente sente e queria fazer.
E também a poesia aguda e emocionante de “A outra canção do exílio” falando sobre a solidão interna de cada pessoa que a leva a ficar exilada em si mesmo rodeado de “gente” nas redes sociais.

A sonoridade de O Amor no Caos remete diretamente ao disco de 2005, Baladas do Asfalto e outros Blues como um álbum "de banda" ficando assim mais fácil de ouvir inteiro de uma só vez. Algo que ficou em falta nos últimos dois discos de inéditas O disco do Ano (2012) que soava irregular por ter vários produtores e Era Domingo (2016) que mesmo corrigindo os problemas de produção, ainda soava como um disco de um artista solo tocando com vários músicos avulsos.

As gravações traziam ainda participações e parcerias com Moska, Frejat e Ana A. Duartti (assim mesmo) e foi produzido pelo próprio Zeca e sua banda.
Então, desde a  faixa de abertura "Todo Super Homem" passando pela delicada "Balada do Amor em Chamas", "Te amei Alí" (parceria com Frejat) e em que cita na letra alguns versos de "Amor", eternizada pelos Secos & Molhados tem-se a impressão de ser uma banda gravando o disco alí, ao vivo, juntos e com poucos retoques.

E se não dava para afirmar que o primeiro continha a “festa”, por não haver canções dançantes é perfeitamente aceitável e até natural dizer que este segundo volume trazia o lado introspectivo e poético do Baleiro de 2019.
O Amor No Caos, volume 2 soava delicado e contemplativo.
Acompanhado de seus instrumentistas favoritos de sempre, Tuco Marcondes, guitarras; Fernando Nunes, baixo; Kuki Stolarski, bateria e Pedro Cunha e Adriano Magoo nos teclados, desfila letras bonitas sobre instrumentais tranquilos que evocam seu disco mais triste, Líricas, (2000 MZA).

Baleiro divide os vocais com alguns convidados como Diana Pequeno (“Canção na Chuva”), Jade Beraldo (“Quando Cheiro Flores”) e Tatiana Parra (“Riverside Road”) e assina todas as composições com apenas uma parceria: o poeta maranhense Marcos Megah (“Eu Chamo de Coragem”), além de musicar o poema “Rondel” de Tristan Corbière, onde divide os vocais com a cantora portuguesa Susana Travassos.
O resultado é encantador.

Os volumes foram lançados em três de maio e 11 de outubro de 2019 com capas retratando obras de artistas plásticos maranhenses que, tanto quanto os discos, também se completam.
O Volume 1 tem a tela "O conquistador", do pintor maranhense Jesus Santos e a do Volume 2 a obra “Retrato de Família”, da artista Maria Luísa Serra de Castro.
Os dois discos juntos e ouvidos em sequência são de uma beleza e poesia extremamente necessárias em tempos tão estranhos, violentos e, porque não dizer: feios.

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