Musique-se recomenda - Simonal: Ninguém sabe o duro que dei

Dizem que é mágico subir ao palco e tocar um instrumento. Fazer o povo dançar...
Então se pode dizer que nos anos setenta ninguém foi mais mágico que ele, e olha que nem tocava instrumento algum...
Há quem diga que teve conduta reprovável, que foi colaboracionista com o regime de exceção. Importa isto?
Talvez para aquele povo político, mal resolvido e revanchista importe, mas para quem gosta de música pela música, não.
E Wilson Simonal era músico, não político.

Ele pode ser descrito como um dos melhores mestres de cerimônia que este país já viu.
Seu swing e seu carisma faziam com que qualquer palco ficasse pequeno ante sua presença.
Foi o primeiro a cantar “País tropical” do então Jorge Ben, hoje Benjor.
Defendeu com maestria outras canções do Babulina – apelido de Jorge – como “Zazueira”.
Porém transcendeu a este quando gravou “Não vem que não tem” e elevou a malandragem ao status de arte.

Cantou bossa nova com voz de trovão, contrariando o mito de que a sofisticada junção do samba com jazz ficava melhor se cantado com fio de voz.
João Gilberto que não nos ouça, pois ranzinza que é, reclamaria da afirmação de que a versão de Simonal para “Lobo Bobo” é pelo menos mil vezes melhor que a sua.

“Sá Marina” só pôde dançar com sua saia branca costumeira, cheirando a flor de laranjeira porque ele tratou os versos com o respeito que estes requerem.
Desconheço outra versão tão digna desta música.
E o que dizer de “Coisa numero 5 – Nanã” do maestro Moacir Santos e Mario Telles?

Também marcante é sua obra - junto a Ronaldo Bôscolí - em que faz um “Tributo a Martin Luther King” e sua luta pela igualdade racial nos Eua.
Em um país hipócrita como o Brasil dos anos 70 – e até os dias de hoje - em relação a este tema, a canção pode ser encarada como um tapa com luva de pelica na sociedade que apenas tolerava negros de sucesso, sem de verdade respeita-los, como prova todo o imbróglio que se sucedeu em sua vida...

Para os que têm duvidas ou ficaram curiosos recomendo que assistam Ninguém sabe o duro que dei, documentário dirigido por Cláudio Manoel (Casseta & Planeta) junto com Micael Langer e Calvito Leal.
O filme mostra em vários aspectos e em muitas falas dos entrevistados, uma semelhança assustadora com o atual momento de polarização inclusive nas artes que o Brasil vive.
A atual onda de tentativas de cancelamento de biografias e carreiras por divergencias ideológicas (ou seria birra?) que se alastra por redes sociais e grupos pseudo politizados é a mesma coisa hedionda acontecida à Wilson Simonal.
Boni, ex todo poderoso da rede Globo de televisão chega a prever que se algum artista ligado à esquerda sofresse uma onda difamatória a coisa não seria tão sufocante por conta da rede de proteção a que eles são ligados...  Curiosamente, Caetano Veloso foi acusado de forma completamente irresponsável de "estupro" por ter se casado com uma menor de idade e foi exatamente o que aconteceu.
Segundo Cláudio: “-Ele (Simonal) pegou uma pena dura demais, desproporcional ao que ele fez, porque sua condenação foi até o fim da vida. Para ele não houve anistia.”.
Mário Prata, um dos melhores escritores brasileiros de todos os tempos disse algo parecido em um de seus excelentes textos: "-Esquecemos de anistiar o Simonal."
O documentário está disponivel no Youtube e é reprisado de tempos em tempos no canal Curta!

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