Musique-se recomenda: Filmes de John Hughes


Se você não sabe que raio de sobrenome é esse Bueller, ou você é um jovem (cujo "pensador" favorito deve ser um youtuber... ¬¬' ), ou vive em quarentena há muito antes de ser uma necessidade por conta de uma propagação de vírus. 

Se trata de um ídolo transgressor dos anos 80, um personagem icônico da década vindo da mente John Hughers, diretor do longa na qual esse tal Bueller é a personagem central. No original, Ferris Bueller's Day Off - o título brasileiro (meio idiota) ficou Curtindo a Vida Adoidado - trouxe à luz, para imaginário da cultura pop, uma figura completamente desconhecida e foi uma sacada incrível.
Em 2016, o filme completou 30 anos e, na ocasião, muita gente... er... chata, aproveitou da onda de comentários e exaltação do longa e do personagem para criticar. Havia, claro quem não gostava do filme, comentaram que era "bobo" e alguns até usaram o termo "patético". 
Anônimos? Sim, não me lembro de nenhum crítico renomado ter feito uma dura crítica só para aparecer. Então, porque se importar com essa galera, que, como bem coloquei, é chata? Só para isso mesmo: Deixar claro que, se você não gosta de Curtindo a Vida Adoidado, muito provavelmente, você faz companhia à esse pessoal: é um chato e de galochas.

O filme é de 1986 e Ferris é interpretado pelo ator Matthew Broderick - que alcançou o topo do sucesso exatamente com Bueller.
Ferris é um adolescente americano, aluno que mata aulas para "curtir a vida", quase como um profissional em "vagabundar", sem esquentar a bunda na carteira de uma escola. Ao contrário do que se pode pensar com essa primeira linha do roteiro, Bueller é um aluno inteligente - aquele raro caso que não precisaria de uma escola para ser alguém -, e nem é tanto aquele rebelde absurdo que só se mete em encrenca, como a gente topa aos montes, nas escolas da vida real. 
Tanto é que as aventuras de Ferris - que é encabeçada por ele na companhia de mais dois outros personagens: sua namorada Sloane Peterson (Mia Sara) e seu melhor amigo, o metódico e sempre tenso, Cameron Frye (Alan Ruck) - são simples, divertidas e até, cultas: eles vão à um museu, à um restaurante chique, vão à bolsa de valores,  e até ao jogo de beisebol. Terminam o "day off" em um desfile - esse o ponto alto do longa e a razão pela qual escrevo essa matéria.

A coisa mais criminosa que se passa com eles é a destruição total de uma Ferrari GT California de 1961 - SPOILER ALERT!!! Isso sem contar a irmã invejosa de Ferris, que por estar com inveja da esperteza do irmão pensa que a casa está sendo invadida por ladrões e liga para polícia. Na verdade, é apenas o diretor da escola, Ed Rooney (interpretado por Jeffrey Jones) que sabe que Ferris está aprontando, e tenta entrar na casa para pegá-lo no flagrante. Pensando bem, esse é mais uma das confusões que Ferris provoca... A irmã é detida por trote e acaba "se pegando" com um cara drogado que também foi aprisionado e aguarda para dar depoimento. o "drogado" é interpretado pelo ator Charlie Sheen. Irônico não?... 
A moça, então certinha, também apronta um pouco e por conta disso, acaba entendendo o lado "aventureiro" do irmão. 
O diretor, passa poucas e boas, na tentativa de pegar Ferris no ato. Sabendo que o malandro cabula aulas aos montes, ele começa a desconfiar quando é informado pelos pais de Ferris que ele não estaria na escola, por estar doente. Depois ele supõe que pode ter sido Ferris que buscou a namorada Sloane no meio de uma aula - sob a desculpa que a vó dela teria falecido - e não o pai dela. A cena dessa transação, é hilária. 
Rooney sai da escola, vai atá a casa de Bueller e descobre uma gravação no interfone, indicando que o mesmo, não estava doente coisíssima nenhuma. Tudo complica quando ele entrar na casa pela porta dos fundos. O filme acaba fechando com o diretor, dentro de um ônibus escolar, depois de ter o carro guinchado... Outra cena hilária!!!

Ah sim, a Ferrari e Cameron, que certamente será esfolado vivo pelo pai, por conta da destruição do carro, mas isso não é mostrado no filme. Supomos que essa é uma das coisas que Ferris não responderá.
Cameron é um cara tenso, metódico. Seus pais, ricos, são ligados à dinheiro. Brigam o tempo todo, como ele conta. O amor do pai são os carros de luxo que tem, inclusive uma Ferrari GT Califórnia. Para o filme, não foi usado o tempo todo do carro esportivo, e sim 3 réplicas. Ferris convence Cameron de sair para "espairecer" e força o amigo a deixá-lo pegar a Ferrari para buscar Sloane na escola, simulando ser o pai dela. 
De lá, eles não devolvem o carro e passeiam pela cidade com ela. Guardam num estacionamento e os manobristas saem com a dita cuja gastando a quilometragem. Acho que já dei "spoilers" demais...

Apesar do diretor do longa, John Hughes ser um desses diretores/roteiristas que entende a alma adolescente, hoje seus filmes seriam uma piada para a nova geração. Os adolescentes ririam de um amigo que matasse aula para ir à um museu, como acontece no filme. 
De seus filmes, vocês certamente não conhecem só este. Com a temática "adolescente" ainda temos: Gatinhas e Gatões de 1984, O Clube dos Cinco de 1985, Mulher Nota 1000 também de 1985. Foi roteirista em A Garota Rosa Shoking de 1986. 
De todos, o meu favorito é o Curtindo a Vida Adoidado ou não estaria falando dele, aqui, e hoje. Gatinhas e Gatões e Mulher Nota 1000 estão empatados como segunda escolha.

Acho que por não ter vivido na época dos anos 80, eu não consegui captar muito bem o porque Clube do Cinco entrou nessa leva de cult filme adolescente. Todos os outros tem um toque de bom humor (sim, bobinho, mas ainda assim humor) que este não tem. Adolescentes, mimadinhos ou revoltadinhos, com raiva de seus pais, numa detenção na escola? Normal. Tudo que fazem é ... nada, e fogem a todo tempo das repreendas do diretor, assim como ficam dando indiretas uns aos outros. E todos saem dali formando um casalzinho, menos o nerdizinho que nem deveria estar na detenção... Não é o melhor, mas há quem goste muito. Fica a dica para vocês, conferirem e formarem a opinião.

A Garota Rosa Shoking, é mais ou menos. Também mais sério, envolve romances e amizades. A garota acaba detonando um bom vestido no final do filme rsrsrsrsrs... Porém, para quem viveu a época e queira conferir o longa, é uma pedida interessante para conhecer a filmografia do diretor/roteirista.
Com a atriz Molly Ringwald - musa de Hughes - ainda prefiro Gatinhas e Gatões. A cena do ônibus escolar é ridícula, mas eu dou altas gargalhadas a toda vez que assisto. Esse filme  conta também com o ator Anthony Michael Hall no elenco, em seu melhor papel de comédia.
Gosto muito de Mulher Nota 1000 com Hall num dos papéis principais e uma boa participação de Robert Downey Jr. jovem, e (sempre) bem apessoado. É um dos mais divertidos de Hughes. A cena da invasão dos motoqueiros tipo Mad Max é icônica!

Os pontos altos destes filmes são incomparáveis, mas eficazes: a boa faceta de trazer boas músicas nas trilhas (e atores revelação) surtiram o efeito certo e considerável sucesso. Todos eles tem excelente hits. Então, vamos à eles, em ordem de lançamento:

Gatinhas e Gatões tem como tema, a música de Thompson Twins - If You Were Here: 


O trio britânico se dissolveu em 1993, mas emplacaram uma sequencia de hits da década de 80, e em 1985 apresentaram-se no festival Live Aid com a Madonna.

O Clube dos Cinco trouxe o Simple Minds com a o seu Don't You Forget About Me para a Billbord Hot 100 em 1985. Lembraram da música?



A banda escocesa ainda está na ativa, tendo alcançado o seu ápice na década de 80 e início dos 90. Outras músicas deles, são hits igualmente ótimos, como Alive and Kicking e All The Things She Said.

O outro longa de 1985, Mulher Nota 1000 tem como título original, o título da música tema: Weird Science... Aí ficou fácil saber qual a música tema, não?


O grupo com nome esquisito de pronunciar - Oingo Boingo - encabeçados pelos irmãos Richard e Danny Elfman era inicialmente uma banda de rock, reformulado para acompanhar o new wave e isso deu muito certo para eles.
Danny Elfman é um dos meus compositores de trilhas de filmes favoritos, especialmente pelo seu trabalho com o diretor descabelado, Tim Burton. Por sinal, Burton é um tipo John Hughes mais esquisito, macabro: também tem um muso, Johnny Depp (Hughes tinha a ruiva Molly), tem uma temática que o acompanha - que é o gótico sempre com tons cômicos - e em Edward - Mãos de Tesoura, Anthony Michael Hall é o namorado da personagem vivida por Winona Rider, e por quem Edward se apaixona.

No ano seguinte, ele roteirizou a história de A Garota Rosa Shoking, e lançou mão de várias músicas, inclusive a do grupo Psychedelic Furs com Pretty in Pink. Mas destaque mesmo, é para o  Curtindo a Vida Adoidado que tem várias canções e uma delas está no imaginário popular com cena inesquecível de Ferris na parada de Chicago emulando John Lennon em Twist and Shout fazendo a cidade parar.

A trilha do filme não existe em K7, LP, nem mesmo em CD. Hughes achou que as músicas por serem cada uma de um estilo, não conviria lançar um álbum de trilha. Para além da mais famosa, alguns sons muito legais tocam no filme e de fato, o tom eclético é confirmado. O grande lance que percebi foi que, em sua maioria, não eram grandes músicas, super elaboradas. São canções dos anos 80.. Porém, era "A" década para música, inclusive para o pop que hoje, é uma "mistureba" de nada com coisa nenhuma.
Consta na trilha, nunca comercializada:

♫ Big Audio Dynamaite com Bad;♫ The Dream Academy - The Edge of Forever; ♫ Blue Room - I'm afraid além de ♫ Sigue Sigue Sputnik:


Esta toca exatamente quando Ferris está fazendo seu monólogo de abertura conversando diretamente com a câmera e que é espetacular. Ele explica para os espectadores como passou os pais para trás fingindo estar doente, e fala sobre a prova que tinha, sobre socialismo europeu. Ele não se importa, não se interessa se os europeus são socialistas ou anarquistas. (Quantos adolescentes de fato, não se importam com isso, e ainda hoje, falam besteiras sobre esse e outros assuntos dentro e fora das salas de aula?)
A sequencia, dele tomando banho é engraçada, mas o monólogo tem seu ápice com frases bem legais na sequencia, e elas cabem muito no nosso contexto atual:

"Não é que eu apoie o fascismo ou qualquer ismo nesse assunto. Ismos na minha opinião não são bons. Uma pessoa não deve acreditar em um ismo, ela deve acreditar em si mesma. Cito John Lennon: "Não acredito em Beatles, apenas acredito em mim". Essa frase é boa, afinal de contas era ele que era o máximo.

Essa frase sublinhada é a tradução da dublagem brasileira que - podem me criticar - mas devo dizer que é péssima. No original, Broderick diz "he was the walrus", e ele está fazendo uma referência à essa música aqui:


Por isso, dublagem complica as coisas e eu prefiro evitá-la. Muito das referências se perdem no caminho, no trato de tornar a fala mais adequada à nossa cultura ou linguagem.
Em tradução livre - "Eu sou A Morsa" é de composição do beatle num momento de uma viagem sob efeito de drogas que o cantor teve. Também disse Lennon que, depois de saber que um professor usava as letras dos Beatles para suas aulas de inglês, ele escreveu alguns trechos dela propositalmente sem sentido só para confundir quem quer que tentasse colocá-la em análise. Era um fanfarrão, esse Lennon!

Outras canções aparecem no filme e também são conhecidas: ♫ The English Beat - March os The Swivelheads toca quando Ferris corre para chegar em casa antes que seus pais percebam que ele passou o dia fora. E claro, não poderia faltar a ridícula, mas incrível - ♫ Oh Yeah do Yello:


Oh Yeah é outra que ficou na memória de quem curte muito o filme. Tanto que a brincadeira da cena "pós créditos" de mais um dos filmes da Marvel, o Deadpool de 2016 (quando o longa sobre as aventuras de Ferris fez 30 anos), o personagem anti-herói interpretado por Ryan Reynolds faz uma referência à cena final e também à essa música. 

Clique aqui para ver o vídeo comparando as cenas
A cena com Ferris interpretando Twist and Shout fez tanto sucesso que a música voltou às paradas de sucesso depois de 24 anos de seu lançamento (a música é de 1962). Não é a única mais antiga aparece: Ferris canta Danke Shoen no chuveiro e logo antes de Beatles, na parada do desfile. A música de Wayne Newton é de 1963. Ou seja, a trilha é um primor. Não à toa, o filme apesar de simples, acabou ganhando status de cult.

Rodrigo Rodrigues aponta em seu livro Almanaque da Música Pop no Cinema que a cena com a interpretação de Broderick em um carro alegórico fazendo a cidade de Chicago dançar, ao som de Beatles, marcou tanto que ele e uma galera correu nos vinis dos pais para descobrir o que vinha a ser aquela música. Eu não precisei de tanto. Como filha de um fã dos Beatles, eu já sabia que música era essa, embora, não fosse a favorita de meu pai, uma vez que ela é uma das mais comerciais. 
Não é querendo me gabar, mas dessa busca eu não precisei de esforços. Tudo que a cena me fez foi só fazer com que eu gostasse ainda mais da banda e apreciar filmes, afinal, eu sou de 1987, de um ano depois do lançamento. Devo ter visto Curtindo a Vida Adoidado milhares de vezes na Sessão da Tarde da Rede Globo. Ou seja, fui bem doutrinada, desde a gestação com boa música e bom entretenimento. Quantas crianças, hoje, podem dizer o mesmo?

Um dado interessante que consta no livro de Rodrigues e vale destacar aqui é o seguinte: Twist and Shout é uma canção escrita por Phil Medley e Bert Russell. E os Beatles não foram os primeiros a gravá-la.A primeira gravação da canção foi feita pelos The Topnotes, depois ela foi regravada pelos The Isley Brothers e só mais tarde pelos Beatles, com John Lennon no vocal principal, e lançada pela banda em seu primeiro álbum, o Please Please Me. O dado interessante é que a gravação dos Isley Brothers foi a que influenciou The Beatles a gravarem ela. Naquela altura eles tinham passado 12 horas gravando, seguidas e obviamente John Lennon já não tinha mais tanta voz para fazê-la. Mesmo assim, de acordo com Norman Smith, o engenheiro de som da banda, John chupou umas pastilhas, gargarejou com um pouco de leite e mandou ver. Por isso a voz rouca do beatle nesta música é totalmente destacável. A gravação foi feito num take só, já que uma segunda tomada seria impossível, pois não restava mais nenhuma voz em Lennon. 
Se essa história aconteceu exatamente assim ou foi aumentada, jamais saberemos. Mas que ficou especialmente boa, isso é fato irrefutável.
E viva os filmes com as boas músicas - e as músicas boas abrilhantando as cenas dos filmes!

Me despeço com essa particular cena de Ferris Bueller's Day Off sugerindo que aproveitem a quarentena e assistam os filmes de Hughes, dando a atenção para as suas trilhas sonoras. Acho que vão gostar (caso já não tenham feito isso alguma vez na vida...)!


Abraços afáveis e "Save Ferris", rsrsrsrsrsrs....

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