Renato Russo, 60 anos - um texto bem pessoal...

Nós não tínhamos lá grande talento, mas éramos esforçados.
Cada qual no seu instrumento escolhido mais por conveniência do que por talento.
Os ensaios no quarto azul, apertado pela cama e pelo kit de bateria, eram hilários principalmente quando a tentativa de tocar algo próprio era levado a sério.
Nunca dava em nada.
Talvez pela qualidade das letras que rimavam “João” com “caminhão” e versavam sobre as utilidades da boralina no tratamento do chulé...
Hoje sei que não serve para isto e nem para o fígado, como dizia sua embalagem. Não serve para nada...

Quando resolvíamos tocar as músicas que nos inspiraram a montar nossa própria banda era sempre algo da Legião Urbana.
Tanto por ser uma música simples, de acordes fáceis e batidas quase sempre retas, o que no meu caso era fundamental já que era o baterista, quanto pelas letras de Renato que desde sempre foi tido como o melhor letrista de sua geração.
O poeta.

Tocávamos “Eduardo e Mônica”, “Quase sem querer”, “Índios” (sem a parte do teclado) como se estivéssemos cantando sobre nossas próprias vidas.
Como se a tristeza de letras como “Há tempos”, “Andréa Dória”, “Quando o sol...” e tantas outras fizessem parte de nossas vidas, uma turma de adolescentes de classe média que não tinham (ainda) motivo nenhum para serem tristes.

Mais próximos da realidade talvez fossem as letras “ingênuas” – nas palavras do próprio Renato – do terceiro disco.
A raiva adolescente ainda que bem colocada de “Que país é este?”, a rebeldia juvenil e metida a intelectualóide de “Conexão Amazônica”.
Até hoje penso que na época, pouquíssimos fãs da Legião realmente soubessem quem era Freud, Jung, Engels e Marx, mas era mais legal cantar isto e posar de culto que ficar gritando “Aa uu” como os fãs dos Titãs.

Assim cresci e até aprendi tocar um pouco melhor, mas o principal foi acumular um pouco mais de bagagem - tanto cultural quanto de vida – para compreender os temas mais elaborados e complexos da obra de Renato.
As broncas políticas, o envolvimento com drogas, o pessimismo disfarçado de raiva e por fim a descoberta do fato que teria de encarar seu próprio inevitável e precoce fim.
Tratou publicamente de sua doença, a AIDS, de uma forma polida, velada e elegante, não jogando a culpa por tê-la adquirido na sociedade.
Tanto que só compreendeu-se A tempestade ou o Livro dos dias, que é triste desde a capa azul até a ultima frase de seu encarte  (“Um país se faz com livros e de gente dizendo adeus”) após sua morte.
Curiosamente, nunca quis tocar uma só faixa deste álbum nos ensaios que acabaram,  mais tarde, se tornando apenas diversão sem a pretensão de nada.

Agora entendo que Renato era poeta de si mesmo e  grande parte das coisas que escreveu dizia sobre sua própria condição, ainda que seus fãs conseguissem se enxergar e se encaixar em suas letras de sua obra. E isso não desabona e em hipótese alguma empana seu brilho.
Hoje, dia em que ele completaria 60 anos de idade é possível ver a real dimensão de seu trabalho, da beleza e força que, queiram ou não os haters, moldou toda uma geração de brasileiros fãs de música, na qual, orgulhosamente me incluo.
Urbana legio omnia vincit! 

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