The Wonders: Quando a música fictícia também é bacana

Na abertura deste mês de abril, pipocou nas notícias o falecimento de Adam Schlesinger. Adam foi uma das vítimas no novo Coronavírus, o Covid-19, tinha 52 anos e estava recebendo um tratamento adequado, mas o quadro agravou muito e, conforme informado pela revista Variety, ele não resistiu à nova doença no dia 1º deste mês. 
Essa nova e arrebatadora gripe tem causado muitas perdas, tristeza, e uma boa dose de desespero e crise (já que nossos governantes não ajudam para amenizar as consequências da doença) em todo o mundo.

Muito provavelmente não será de primeira que o nome de Schlesinger faça sentido em sua memória, mas a gente ajuda: renomado músico, baixista do Fountains of Wayne, já trabalhou com The Monkees e com Robert Plant, para citar alguns.  Ganhou Emmys e um Grammy tendo contribuído muito na área da trilha sonora. Por essa razão, foi indicado ao Oscar de melhor canção por That Thing You Do – título e tema do filme de mesmo nome, que aqui no Brasil ficou conhecido como The Wonders – O Sonho Não Acabou.

Agora, refrescada a memória, podemos dar as boas notícias.
O filme, de 1996, dirigido pelo Tom Hanks é um longa muito legal. Se ainda não assistiram, estão "comendo mosca".


A premissa inicial do filme é cativante: Em 1964, logo após os Estados Unidos serem "tomados" pelo fenômeno musical dos Beatles, surgem em uma pequena cidade da Pensilvânia os Oneders (trocadilho vindo da forma reduzida de "one-hit Wonder" – algo como "um só sucesso"). Entre as confusões sobre a pronúncia do nome, mais tarde o grupo acaba sendo rebatizado pelo empresário como The Wonders.
Às vésperas de uma apresentação musical de calouros, o baterista do grupo quebra o braço, o que faz com que, em cima da hora, um jovem que trabalhava na loja de eletrodomésticos da família (Tom Everett Scott é muito parecido com Tom Hanks quando era jovem; incrível semelhança!) seja convidado para substituí-lo.
Esse jovem baterista, um aficionado de jazz, transmite durante a apresentação uma batida mais ritmada na canção That Thing You Do! que, inicialmente, deveria ser uma balada. Isso acaba causando o descontentamento no vocalista e compositor do grupo Jimmy (Johnathon Schaech). Mas o instinto do jazzista funciona e a música se torna um sucesso nacional graças à ele, levando o grupo aos primeiros lugares das paradas.

Tom Hanks fez a sua estréia como diretor num filme simples e gostoso de assistir, com uma história de uma banda fictícia, cheia de referências à uma das maiores bandas, os Beatles.  
Primeiro passo do longa é nos apresentar o grupo de amigos e também o futuro baterista, num clima totalmente demais para quem viveu a década de 60, com todos os detalhes de móveis e roupas criteriosamente colocados para fazerem não só parte da fotografia, mas também atuarem como personagens (ainda que secundários) na narrativa.

Logo, Hanks nos apresenta o "one hit wonder", That Thing You Do! que nos chama a atenção. Quando Guy aparece no concurso e com a sua levada mais acelerada, nos empolgamos tanto, que  entramos em definitivo no filme, já a ponto de estarmos propensos a começar a torcer pela banda de tão familiarizados que estamos com eles. O momento ápice disso é quando ficamos igualmente felizes pelo grupo, quando a música toca pela primeira vez numa rádio. É praticamente impossível não ficar contagiado e quase tão histérico quanto o quarteto.


Outra boa sacada na criação de Tom Hanks: ele não só escolheu atores competentes, como não deu sopa para o azar decidindo não recrutar estrelas - medida quase sempre primordial dos produtores para chamar público. Isso pode ser uma boa ideia quando se quer um filme bem feito, sem amarras comerciais, sem ficar prestando atenção na modinha da vez. Por isso, naquele momento, a maioria deles nem era conhecida. No entanto, ao contrário do que se pensava, quando o filme foi produzido e lançado, Tom não ajudou os atores a alavancarem carreiras de sucesso. As personagens protagonistas, Guy e Jimmy não se tornaram estrelas, ainda que as moças tenha se tornado nomes mais comuns: Liv Tyler já estava tendo holofotes pela sua paternidade famosa, e o bocudo Steven Tyler já havia colocado a filha em um dos videoclips do Aerosmith (Crazy de 1993). A modelo emprestava a sua beleza para o filme e completava a banda – mesmo não sendo membro dela. Sendo apenas a namorada do vocalista, Faey era a "cola" que unia todos eles, apesar dos estrelismos do seu namorado/líder. Já Charlize Theron (a doce, mas desatenta namorada do baterista "meteórico") começava a sua carreira  - este era o seu terceiro longa! - e logo estaria até concorrendo à Oscar (por Monster de 2003) de Melhor Atriz na edição da premiação de 2004.

Como se fosse uma resposta à onda beatlemaníaca, The Wonders eram americanos e seguiam os mesmos passos, até possuindo um visual muito semelhante. De certa forma, essa resposta já estava fadada a falhar uma vez que vinha com ímpeto seguindo as fórmulas dos britânicos famosos, mas a questão era se o raio cairia duas vezes do mesmo jeito (nesse caso, não dá para usar "mesmo lugar" rsrsrsrs...) Isso se comprova dadas as inúmeras referências ao quarteto britânico mais famoso do mundo.  Tudo começa com a ideia do filme. Segundo Tom Hanks, o filme surgiu a partir da alavancada dos Beatles após a demissão de Pete Best. As duas bandas, a real e a fictícia, perderam e substituíram o baterista original (no caso dos Beatles, Pete Best era o baterista original até 1962). 
O nome "The Oneders" faz referência ao erro de ortografia proposital do nome The Beatles (o certo é "beetles"). 
That Thing You Do! é retratada como uma balada que foi acelerada e se tornou um sucesso; Please Please Me era - inicialmente - também uma balada, que acelerada se tornou o primeiro sucesso dos Beatles.

Outras boas referências estão na apresentação ao vivo que eles fazem. A legenda "Meninas, cuidado, ele está noivo” quando Jimmy aparece na tv é uma referência ao "Desculpe meninas, ele é casado", para John Lennon,  quando os Beatles apareceram no The Ed Sullivan Show. Sobre essa apresentação da banda fictícia na TV, o ex-baterista Chad (interpretado por Giovanni Ribisi - aquele que quebrou o braço e foi substituído por Guy) se pergunta quantos espectadores assistiriam ao programa e o pai de Guy comenta "quantas pessoas viram os Beatles no The Ed Sullivan Show".
Nessa transmissão fake, o apresentador chama os Wonders para os palcos, dizendo: "O mais recente grupo de rock and roll a desafiar os Beatles em um concurso de penteados", referenciando a semelhança no incomum (para a época) estilo de cabelo das duas bandas.

A música que dá nome ao título original do filme acabou sendo um grande sucesso. That Thing You Do! chegou a posição 41 na Billbord em 1996 e garantiu as indicações aos prêmios de Globo de Ouro e Oscar de 1997 nas categorias de Melhor Canção Original. Mike Viola do The Candy Butchers é o vocalista original enquanto o Johnathan e os demais, fizeram treinamentos para emularem músicos de verdade.
No filme, a música-título ainda é referenciada tendo como lado B outra canção: All My Only Dreams. O single de 45 RPM que eles lançam tem outra canção, Dance With Me Tonight como lado B. Esta aparece no filme cantada pelo guitarrista Lenny, interpretado pelo engraçadinho Steve Zahn.


Além dessa, os Wonders aparecem tocando também Little Wild One, é de uma banda norte americana chamada Gigolo Aunts, e foi escrita a pedido da sua gravadora, no "estilo Beatles" para ser incluída no filme - clique neste link aqui, e ouça.

That Thing You Do – "Aquilo que Você Faz" – é um bom lema para o longa e para o trabalho de Tom Hanks, pois ele faz (literalmente) o filme: foi ele quem escolheu elenco, escreveuo roteiro, dirigiu e interpretou o simpático empresário do grupo, Mr. White chefe da gravadora Play-tone (nome também da sua produtora).

E não para por aí. A música tocada durante os créditos de abertura do filme, Lovin 'You Lots and Lots, é creditada aos também fictícios Norm Wooster Singers e foi escrita pelo próprio Tom Hanks!! Essa música é estilo Ray Conniff, Mitch Miller e outros praticantes dos formatos proto-Muzak -  termo usado para designar músicas de escuta fácil, como piano solo, jazz ou música de estrada, ou ainda conhecido como "beautiful music" – "música bonita" nas estações de rádio. Hanks também compôs o solo de bateria de Guy, I Am Spartacus. (Aproveitem para reparar também o quanto o ator Tom Everet Scott se parece com Tom Hanks).



Por todas essas coisas, acrescentadas a sua já boa contribuição ao cinema americano, Tom Hanks estava sendo considerado o cara mais legal de Hollywood.
Hoje, não resta mais dúvidas sobre isso.

Para aqueles que não conhecem, esperamos ter "atiçado" a vontade de conferir o longa. E para aqueles que já gostam, podem ficar felizes. Essa semana saiu a notícia de que o quarteto de atores que compõe os Wonders irão se reunir para uma live. A medida é tentar arrecadar fundos que serão revertidos para o programa MusiCares – destinado à músicos que estão sofrendo com a pandemia do novo Coronavírus. A ocasião também será aproveitada para homenagear o autor da música tema, That Thing You Do!, Adam Schlesinger.

Os atores Tom Everett Scott (o baterista Guy Patterson), Johnathon Schaech (o vocalista Jimmy Mattingly), Steve Zahn (o guitarrista Lenny Haise) e Ethan Embry (o baixista T.B. Player) irão se reunir em uma conversa no Zoom que acontecerá a partir das 20 horas, no horário de Brasília, nesta sexta-feira (dia 17).
Vocês poderão acompanhar essa reunião através do vídeo abaixo:


Abraços afáveis!

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