Músicas estranhas, letras esquisitas - um rápido passeio por versos tortos

Depois que Bob Dylan ganhou o prêmio Nobel de literatura, cairam por terra os últimos resistentes que achavam que letra de música não poderia ser considerada literatura.
Afinal literatura é a arte de compor escritos; o exercício da eloquência e da poesia; conjunto de produções literárias de um país ou de uma época.
Logo...

Mas olhando algumas letras de música dá para entender porque pensavam assim.
Nem todo letrista pode ser considerado um literato, a sentença contrária também é verdadeira, mas tem quem se sinta.
Tem quem pense que é poeta e que é maior que Drummond, Vinícius, Quintana...
Encontrei algumas letras e fui me espantando com a coleção de passagens estranhas e divertidas.
Tanto pelas construções erradas quanto pela sonoridade que ganham na melodia e o inusitado do que querem dizer.

Um exemplo clássico do caso de construção esquisita da métrica é a canção: “Até Quando esperar” da Plebe Rude que num certo trecho diz: ‘Não é nossa culpa, nascemos já com uma bênÇÃO’ . Transferindo a tônica para a silaba “ção” dando uma solução para a métrica, mas escangalhando a gramática.

Um outro exemplo divertido está numa canção de Catulo de Paula - compositor cearense dos mais sérios - que nos brinda com “Cowboy do Ceará” onde tira um sarro do anglicismo praticado em quase todo o Nordeste.
Usando expressões aprendidas num curso com período de “três mês” dá exemplos mostrando como se faz uma declaração de amor na língua de Bob Dylan: ‘ Primeiro chega à mocinha/Pergunta as horas ao caubói/Ele diz: “são five o'clock”/E com pose de herói/Diz: “my girl, my chesterfield / Luck strike e life boy’.

Falcão, gênio da raça é um dos campeões. De propósito ou não.
Dele vem a pérola “O amor que antes de ser já era”, do disco Quanto Pior, Melhor, de 1998
Com a ajuda de Tarcísio Matos ele conta como fez para esquecer a amada que tanta dor de cabeça lhe dera: “Mas eu vim embora, e você/Não passa de um ponto preto/Posto por uma mosca/No meu pensamento/E eu vim contando jumento na estrada/Pra lhe esquecer ‘.

Mas o verso esquisito campeão é sem dúvida do compositor maranhense Raimundo Soldado, que na melhor das intenções, posando de poeta e tudo – ele queria mesmo ser levado a sério – compôs um dos versos mais estranhos, engraçados e errados que se tem notícia na canção "Não tem jeito que dê jeito".
A canção fala de um cidadão que foi deixado pela cara metade, mas se conforma: “Não tem jeito que dê jeito/Pra você viver comigo/De hoje em diante/Nós vamos ser/Um simples amigo.”.
Profundo... E o plural que se foda...

O Ira! também tem suas pérolas.
A métrica de um de seus sucessos chega a doer nos ouvidos em um cacófato incrível.
A canção  “É assim que me querem”, do álbum 7, de 1996 tem uma temática séria, um riff bacana e tal, mas quando chega no refrão, desanda a coisa.
Ai o que seria “...e ainda aprovar a pena capital” embola nos ouvidos e fica: “...e ainda aprovar apê na capital”.
Outra deles que tem um problema parecido é “Vida Passageira”, que segundo Nazi, foi composta rapidão para entrar no MTV ao Vivo, de 2000.
A letra, que traz uma bela reflexão sobre a efemeridade da vida e também uma singela homenagem aos camaradas de música que haviam partido cedo tem um trecho que destoa de tudo.
A melodia, a letra, tudo alí casadinho bonitinho quando do nada “Vou dar então um passeio/ Pelas praias da Bahia / Onde a lua separeceComabandeiradaTurquia...”
Uma acelerada digna de F1 para tentar fazer caber na métrica.

Existem outros, diversos casos com contribuições, com versos engraçados, mal construídos e/ou curiosos.
Se for contar funk-baixaria carioca, pagode “mauriçola” e estes forrós de duplo sentido e estes tipos do sertanejo universitário corno que fazem de nossos ouvidos verdadeiros penicos então... Tem matéria para vinte textos...
Mas aí não é engraçado.
É indigência mental mesmo.

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