A criatividade e o humor de Arnaldo Baptista, 72

O maestro Rogério Duprat se preparava para mais uma sessão de gravação com um trio de moleques muito promissores vindos do bairro da Pompéia, em São Paulo: Rita Lee, Arnaldo Baptista e seu irmão Sérgio Dias Baptista.
Encantado, dava passagem e forma a toda e qualquer ideia do grupo em relação ao arranjo das canções.
Ainda assim, o maestro ficara com uma pulga atrás da orelha ao ver Rita chegar ao estúdio carregando uma bomba de flit usada para borrifar veneno.
Passou por todos e pousou o estranho objeto (ao menos para o local e a ocasião) entre os instrumentos que costumava tocar nas gravações do grupo: pandeiros, meias-luas, cimbals, flautas...
Entrou na cabine de gravação e gravou algumas vozes e risadas para outra música até ouvir do maestro:
 -Vamos gravar a canção francesa?
Foi a deixa para que Rita saísse da cabine e pegasse a bomba de flit.
Já não se aguentando, Duprat pergunta para a menina o que ela pensava em fazer com aquilo.
A resposta foi surpreendente: -Tocar durante a canção.
Tocar? Sim... Isto mesmo.
O chiado que se ouve durante a canção "Le premier Bonheur Du Jour" e que pode ser facilmente confundido com o chimbau da bateria é na verdade o acionamento da bomba.

Após metade do primeiro take, obviamente, o ar dentro da cabine ficara irrespirável com tanto veneno.
Divertido com a história e gostando do resultado, o maestro ainda tentou encher a bomba com água pura e uma mistura de água com óleo.
Como não ficava tão bom o resultado, achou melhor então voltar com o veneno e que se dane...
Era este o clima das gravações que tanto o encantavam.
A liberdade, a criatividade, a descontração e a alegria que ia muito além da excelência dos irmãos Baptista em seus instrumentos.


-Arnolpho... Passou um pessoal aí querendo falar com você.
-Um pessoal?
-É... Achei bem estranho eles.
-Quem era?
-Não sei.
-Quantos eram?
-Três... Dois cabeludos e uma menina.
-Sério? Devem ser eles... Tomara que seja.
-Eles quem, menino?
-A senhora não conhece, mas se for mesmo o que estou pensando e também o que quero que aconteça, vai ser o mesmo que ser convidado pra tocar com os Beatles!
-Tocar com quem?
-Nada, nada...  Eles vão voltar?
-Não disseram, mas deixaram um telefone. Está preso na geladeira...

Arnolpho Lima Filho então liga para o telefone que foi deixado.
-Alô?
-Alô, aqui é o Liminha...
-Fala bicho! Aqui é o Arnaldo. Será que você pode dar um pulo aqui na Pompéia?
-Vou sim... À tarde estou aí.
-Beleza!

Naquela mesma tarde Arnolpho Lima Filho se dirige ao tradicional bairro paulistano na zona oeste para se encontrar com Rita, Sérgio e Arnaldo.
Após ouvir dos irmãos Baptista que gostariam que ele fosse o novo baixista d´Os Mutantes para que Arnaldo se ocupe mais dos teclados e – claro – aceitar, Liminha ouve dos três a seguinte pergunta:
-Bicho, cê já experimentou maconha?
Então, quase que solenemente, Arnolpho Lima Filho responde:
-Não! Nunca! – e pensa – “-Estão querendo me testar.”
E recebe de volta...
-Não? Pô! devia... É maior barato!

História adaptada de uma passagem do livro de Antônio Calado: A divina comédia dos Mutantes, editora 34.

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