Editorial: As péssimas notícias para o Metal Finlandês

Ainda que tenhamos muita esperança por dias melhores (e em alguns casos, sim, ela existe); 2021 não poderia ser deixado sem ser pensado como um possível "2020 lado B".
Em janeiro, duas notícias acabaram com as melhores expectativas musicais, sobretudo para quem acompanha a cena no metal finlandês.
Suponho que vocês já saibam do que estou a comentar especificamente. 

No dia 4 de janeiro do ano novo, foi noticiado que Alexi Laiho, frontman da banda Children of Bodom, havia falecido aos 41 anos de idade. Segundo as informações, Alexi sofria de uma doença não especificada, nos últimos anos e essa teria sido a causa da morte. Nenhuma outra informação além disso veio à tona; apenas que amigos, colegas de banda e família prestaram as suas homenagens para o músico que partira cedo.


Alexi "Wildchild" Laiho fundou o Children of Bodom em 1993 junto com o baterista Jaska Raatikainen. Porém, o primeiro álbum de estúdio deles só saiu 4 anos depois: Something Wild de 1997 marcou o seu debut em território finlandês e dado o sucesso que foi, o grupo chamou a atenção de um representante da Nuclear Blast logo que fizeram um show de abertura para a banda norueguesa Dimmu Borgir. Em 1998 o disco saiu para todo o mundo. 

Em seguida vieram: Hatebreeder (1999), Follow the Reaper (2000), Hate Crew Deathroll (2003), Are You Dead Yet? (2005) - um dos melhores da discografia -, Blooddrunk (2008), Relentless Reckless Forever (2011), Halo of Blood (2011), I Worship Chaos (2015) e o último trabalho, Hexed de 2019. 

Esse último álbum marcou a despedida da banda dos palcos no fim de 2019. Henkka Seppälä, Janne Wirman e Jaska Raatikainen decidiram tomar outros rumos de suas vidas e anunciaram junto com Alexi e Daniel Freyberg que o último show, após 26 anos de carreira, aconteceria no dia 15 de dezembro daquele ano. 
Aparentemente, o 3 primeiros não viam mais convergências criativas com Laiho e decidiram sair da banda. Alexi iria ter novos projetos, mas como não tinha mais permissão para usar o nome da banda sem o aval de seus ex parceiros - Henkka, Janne e Jaska - por isso, decidiu seguir carreira com Freyberg sob o nome de Bodom After Midnight. 

Outras bandas das quais fez parte: Impaled Nazarene com o álbum Nihil (2000), Kylähullut - um projeto paralelo e despreocupado que teve trabalhos  em 2004 Até 2007 - com os 2 álbuns e 2 EPs na discografia) e contribuiu com a Warmen em 3 álbuns de 2005, 2009 e de 2014. Além destas e outras como convidado, compô a Sinergy. 

Pode-se não gostar de sua música, mas notadamente Alexi era um dos grandes guitarristas da atualidade, um grande músico e compositor.  Ele e o ex integrante do Children of Bodom (CoB) - de 2003 a 2015 - (que pode ser mais conhecido do pessoal mais "old scholl" do metal) entram facilmente na lista de melhores guitarristas escandinavos: Roope Latvala da famosa banda de Thrash Metal finlandesa Stone, no final da década de 1980.
Roope também passou a compor o Sinergy - banda criada em 1997, liderada pela vocalista Kimberly Goss - então namorada de Alexi na ocasião. Essa (boa) banda de power metal tinha também como baixista Marko Hietala, na época, frontman da Tarot. 

Kimberly é americana, havia deixado o posto de tecladista do Dimmu Borgir para montar a sua própria banda, em 1997 - ano em que Children of Bodom abria o show da banda norueguesa. A cantora mudou-se da Suécia para a Finlândia e montou o Sinergy com os melhores músicos do local. 
Com eles, Laiho participou ativamente dos três álbuns, como guitarrista: Beware the Heavens (1999), To Hell and Back (2000) - cuja turnê fizeram com os já grandes na Europa: o Nightwish - e Suicide by My Side (2002).

Em meados de 2000 então, o Nightwish caia na estrada para divulgar o álbum Wishmaster. E um dos shows na cidade natal da banda, Tampere, virou o DVD - From Wishes To  Eternity, que contém nos extras, vídeos de bastidores das quais aparecem todas as peças, brincadeiras, festas e bebedeiras dos músicos, crew e do pessoal do Sinergy - inclusive, Alexi xingando horrores numa das cenas capturadas.
A amizade era tal que, mais tarde, quando Sami Vänska, o baixista do Nightwish deixou a banda, Tuomas Holopainen convidou Marco Hietala para substituí-lo e ele continua até hoje. 

Bem, "continua até hoje" era o que gostaríamos de escrever como fim da matéria. 
Outo dia depois do anúncio da morte de Laiho (e talvez tenha alguma relação), no dia 12 de janeiro deste ano, Marko Hietala, então baixista do Nightwish desde 2001, tendo lançado disco novo com Tuomas e cia, e com a sua primeira banda - Tarot,  anunciou sua saída do NW e também a sua saída da vida pública, por tempo indeterminado.

O motivo? Justificável: em uma longa carta publicada no site do Nightwish, o seu oficial e nas redes sociais, ele revela que foi obrigado - como muitos de nós - a ficar em casa e pensar. 

"Há alguns anos não tenho sido capaz de me sentir validado por esta vida. Temos grandes empresas de streaming que exigem trabalho integral de artistas inspirados, enquanto compartilhamos os lucros de forma injusta", escreveu o músico revelando uma parte grave da relação financeira (como disse injusta) entre promotores de turnês e os artistas.

Na nota também, Marko revela algo de conhecimento de seus fãs: ele sofre de depressão crônica, algo que é muito comum nos países escandinavos e a Finlândia não é exceção. Ainda que ele afirme que está bem, essa "autoavaliação" e afastamento da vida pública é necessária diante da sua condição. Mesmo tendo filhos, esposa, amigos e uma vida feliz, ele tem pensamentos sombrios. O perigo disso para ele mesmo e para quem está a sua volta, pesou fortemente na tomada da decisão.

Mais adiante, Hietala pede respeito e que não peçam nada a ele até o próximo ano, mas deixa claro que isso, não é uma promessa.
E em uma semana, essas duas notícias eram péssimas para a cena musical, especificamente o metal finlandês. A primeira - irreversível e triste; a segunda - dolorosamente real e que ficava em suspenso. 


Aproveitando o momento, acho importante fazer um adendo: Marko ressalta em sua carta (que pode ser lida na íntegra, aqui em seu Twitter oficial), que a teoria da conspiração é a palavra do dia e pede cuidado, quanto ao insulto à Tuomas e ao seu próprio livre pensamento.

Isso saltou aos olhos de uma forma bem pertinente. Quem não fez uma "auto avaliação" nesses tempos pandêmicos, certamente não deveria deixar para depois.
A "falsa ociosidade" que muitos foram colocados com as políticas de isolamento, deixou  escancarado a patética ação de todo ser humano hoje em dia, sobretudo aqueles ativos nas redes sociais: o julgar pelas aparências, dar opinião em ser chamado(a), medir o outro pela régua da sua vida.

Notei reações jocosas e vis nos portais de notícias à respeito, tanto em relação ao falecimento de Alexi (comentário no G1: "a quem isso interessa?") quanto o anúncio de Marko. Nesse último caso, agradeciam que ele saísse da banda e da vida pública.
Eu só posso prever que são pessoas bem mesquinhas e que, por não conhecerem ou gostarem da música deles, são insensíveis para com as suas pessoas. Talvez tenha sido boa demais em chamar esse pessoal de "mesquinho". O certo talvez deveria usar um termo bem mais pesado.
Mas não farei, afinal, estaria me rebaixando ao nível deles.

Não importa se sou fã ou respeito os dois músicos citados nessa postagem. O valor de ambos para a cena metal é grandiosíssima. Além do mais são humanos como eu e você. E como tais, merecem respeito. Se resguardar de ofensas gratuitas parece algo que não está mais na moda, caiu em desuso e em esquecimento total.

Especulações deram conta de Alexi bebia muito, e por isso, notadamente, fazia dele "uma pessoa doente". Marko também bebia muito, pois como comentei acima, nos bastidores de DVDs do Nightwish, haviam vídeos que mostravam ele e outros bem alcoolizados.
 
Finlandeses bebem. Pessoas de países frios costumam beber para se esquentarem, enfrentarem a rotina do dia a dia à temperaturas bem baixas. A bebida os anima também. Como constituição, são geralmente povos semelhantes ao seu clima: frios, sisudos.
Essa seria uma desculpa para aquele que - preconceituoso como é - dá risada quando você elucida que é uma questão mais "cultural" do que necessariamente um problema com o alcoolismo. 
A cultura acaba virando um problema com álcool, mas não chega a ser um desvio de caráter ou característica que só serve para generalizar um povo: "Finlandês? Ih, tudo bêbado!"
Para mim é claro que, beber depois do expediente e durante todo fim de semana é bem mais um passo para participar de seções da AA do que um metaleiro finlandês em turnê com amigos.
O que quero demonstrar é que, não vamos gostar (dado, especificamente quem é o nosso representante no governo) que sejamos taxados como "Brasileiro? Tudo burro, genocida, corrupto..."

Mas é aquela coisa: o importante é comentar, fazer-se aparecer, criar intriga com o fã por simples esporte. Vai ferir os outros mesmo. 
Por bem, acredito fielmente que isso não afeta o legado desses caras. O pessoal pode continuar com as suas opiniões bobinhas e seus preconceitos. Alexi Laiho fez muito pela música e deixou outras para serem lançadas postumamente e que serão largamente apreciadas por quem sabe dar o valor que possivelmente merecem. 
Espero que Marko consiga entrever o seu valor criativo e decida voltar num futuro próximo. Ele é um grande músico, para mim como fã do Nightwish, uma das razões pelas quais os acompanho desde o início dos anos 2000. Se isso não acontecer, que ele possa viver bem e rodeado de quem ama, dando apoio e suporte e fazendo ele ficar afastado de tudo que o fez mal no meio artístico - que não deveria ser assim. A arte deveria ser puro arrebatamento. Pena que os sistemas e instituições destroem toda a felicidade que temos em ter o contato com esses grandes artistas.

Ao longo da semana, publicaremos homenagens às obras desses músicos. Fiquem atentos, fiquem bem e Musique-se!

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