Filmes: Assistimos “Não Olhe Para Cima” e contamos o que achamos

Depois que passou a maré da modinha, fui assistir o filme Don’t Look UpNão Olhe Para Cima – estrelado por Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Jonah Hill e outros. A repercussão, sobretudo nas redes sociais, confesso, afastou o meu interesse. 

Além disso, sobrou muito pouco para comentar, depois de cerca de um mês desde que o filme de Adam Mckay foi para o catálogo da Netflix. No entanto, algumas pessoas mais perspicazes já tinham considerado boa parte da crítica ao filme que estava pipocando aos montes por aí, bem fajutas, e deram a letra do que se trata o longa, então... É bem provável que você já encontrou um desses por aí, e por isso não haverá tanta novidade na leitura, até porque não me considero esse tipo de pessoa.

Mas assisti ao filme e vou contar o que achei dele. 


A história começa com Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) que observando os astros – como trabalho de pesquisa do seu doutorado – descobre um cometa. Comemorando a descoberta e estudando com colegas e o professor Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), eles descobrem que o cometa está em rota de colisão com a Terra e é o do tipo “assassino” de planetas. Eles se desesperam, mas informam as autoridades, e chegam a falar com a presidente dos EUA, interpretada por Streep, que - assim como muuuuuuuuuuitos políticos - faz pouco da gravidade da situação. 

Começa então uma jornada de alerta na mídia, os cientistas ficam desacreditados, a mídia prioriza futilidades, as pessoas ficam grudadas em seus celulares preocupadas em criticar os envolvidos...
Não parece muito “distópico”, não é mesmo? E acaba não sendo, na verdade crua e cruel.

O grosso dos comentários nos primeiros dias em que o filme ficou disponível no streaming, era que os americanos estavam, de algum modo, “zombando de nós”, brasileiros e “claramente falavam de um governo descontrolado, corrupto e obtuso”, que “oh, meu Deus, coitadinhos de nós!” só existe aqui e é novidade, em nossa Republiqueta das Bananas. Ai, ai...
Parece próximo da verdade, mas está aí a primeira crítica implícita do filme: quem paga de inteligente, também erra o caminho. 

Passou despercebido para muitos inflamados espectadores, mas não é de se surpreender. Hoje em dia, interpretação minimamente correta, é raridade. Seja sobre o que for, se agarra a algo simples e a discussão fica esgotada naquilo. 

Em tempo, o filme não parece querer criticar reacionários, mas também a galera que se diz de esquerda, os “good vibes”, os fúteis, os chefes de estado, os poderosos, os cientistas, os jornalistas, e também militares...
Éééé... Desse jeito, não presta ninguém então? 

Alerta de spoiler: Não.

O filme é uma sátira da humanidade. E o que você procurar de similitude com a sua realidade, você irá encontrar. Dito isso, o filme abre brechas para o que a maioria dos metidos a sabichões estão com muita facilidade em fazer: tudo é possível, inclusive cometer absurdos absurdos, ressaltar as contradições e fazer a querida e famigerada, generalização. 

O que está em jogo na trama, por mais escancarado que isso tenha parecido para muitos, não é o lado A contra o lado B, políticos obtusos e poderosos versus cientistas sumariamente racionais, mas o ridículo como um todo, isto é, o quanto temos de babacas brotando, do nada, em alguma parte de nosso tempo. 

Quem acha que o filme critica progressistas, está certo.
Quem acha que critica os negacionistas, também.
Tem progressista dando risada das coisas que acontecem no longa. Tem negacionista falando que achou algumas coisas interessantes no filme.
Quem disse que não gostou é porque não entendeu e assumiu que o outro lado retratado é o bonzinho da narrativa. Quem amou, certamente tem uma tendência de não perceber que ele(a) também está retratado em algum personagem, mas o orgulho em admitir é grande demais para isso.
Se estiver na dúvida, diga que gostou. Vai parecer inteligente, ainda que você diga que o final escorrega, porque, tudo acaba da pior maneira possível. 

Particularmente achei um pouco paradoxal. Não o enredo, mas alguns detalhes.
Claramente Meryl Streep (foto acima) se inspirou em Donald Trump para compor a presidente Janie Orlean, que é insuportável só de olhar. Mas ela é uma mulher, e achei que mulheres fossem donas do mundo e as melhores opções para comandarem a América!?!
Está bem, deixo passar... E então, voltei a arquear as sobrancelhas: quando vemos a mesa do cabinete da presidente, de relance, vemos as fotos nos porta-retratos, uma em que ela está abraçada com Bill Clinton? Ué?! Republicana, agarrada com um democrata? Bem, a dica está dada.

E os cientistas, que tem rompantes de vaidade, mostram arrogância e titubeiam? Como qualquer um? Nossa, meu mundo ruiu! Achei que quem faz ou tem um doutorado eram a base de sustentação de nossa compreensão sobre as coisas.
A saúde mental do personagem do Leonardo DiCaprio (o cientista "bonitão" Randall Mindy) é de assustar. 

O tempo todo tem uma crítica pesada com a mídia, a rede social sobretudo. Tudo bem, isso é fácil de construir. Há um personagem, interpretado por Mark Rylance, que me pareceu ser um misto de Mark Zuckerberg e Elon Musk. Tecnologia a qualquer custo, na mão de caras riquíssimos. Trabalhamos de graça para o tio Zuck todos os dias. E achamos bom ver os seus bolsos cheios e ficamos revoltados quando as suas redes, caem. 

As hashtags toscas, principalmente aquelas voltadas à personagem da (cantora?) Ariana Grande, mostra a futilidade encarnada: sua vida pessoal é uma “farsa”, mas rende likes e trending topics.  Ninguém te força à prestar atenção nisso, mas está bombardeado o tempo todo.

Um efeito boneca russa tem uma passagem. Um ator fictício, interpretado por Chris Evans, estrela um filme de ação catastrófico sobre exatamente o que está acontecendo na trama: um asteróide em colisão coma Terra. Em entrevista, ele fala em positividade e deixar de lado a política com um filme para "divertir". É a crítica à própria indústria da qual todos eles, inclusive o diretor, fazem parte.

O complicado aqui é ter tido a percepção de tudo isso? Não. É que #MeToo, campanhas para salvar o planeta, namoricos entre celebridades, escândalos e etc. são a “realidade” desses atores. São julgados porque aparecem acima do peso, namoram meninas novas, em foto com produtores assediadores, sofrem algum tipo de processo, são traídos... Aí que está o paradoxo. 

A questão é bem essa e Mckay foi sagaz nisso: Ninguém ali, salva! É fácil tomar partido, ter uma ideologiazinha patética para chamar de sua, e virar um messias (sem referências, ok?) apontando o caminho certo da salvação para os menos favorecidos, minorias, ou a humanidade em sua única casa. Isso não existe.
Tanto que o filme acaba de um jeito que nenhum “bom” filme acabaria. Ele acaba e você até tentar rir, mas você não consegue. Você fica com ódio das cenas pós créditos pois seria exatamente assim que as coisas terminam, sem romantismos. 

Tem que ter uma saída? Tem mesmo? Deveria, mas...

“Somos todos seres políticos”, “É preciso defender a democracia”, “Somos inteligentes porque confiamos em cientistas”... É desesperançoso, mas isso é uma falácia. É como aqueles jornalistas, só falando do lado positivo. Histeria coletiva, e alguns de nós façamos como a estudante de doutorado: dê um surto gigante. 

No fim das contas, todo mundo olha para o umbigo. Somos podres e na hora que o cerco fecha, muitos estão passando a rasteira em quem estiver no caminho para salvar o deles. São os “fdp”.
Para quem teve uma leve moral, fica olhando os outros se darem bem e pensa: “bom, ou eu faço o mesmo ou eu os critico, para parecer superior.” E assim nasce um ressentido. 

E é difícil admitir que quando fazemos algumas dessas escolhas, nos tornamos invariavelmente ridículos. Mas existe uma opção, ainda que não seja de se safar do pior: juntar aquilo que te agrada e fazer enquanto o mundo está (literalmente) acabando. Rezando, lembrando das coisas boas que viveu, estando com quem mais ama... Não vai te fazer melhor, mas vai te trazer paz no fim de tudo. 

Com o filme, Adam Mckay mostrou metaforicamente que, em diversos os aspectos, estamos bem mal. 

Neste sentido, a expressão título do filme é bem interessante: “não olhe para cima” tem vários entendimentos. O literal, para não ver o cometa chegar e poder fingir que está tudo bem. O subjetivo: se você olhar para cima, verá a “m” chegando. 

“Não olhe para cima”, pois, inferior como é, você não tem esse direito. 

“Não olhe para cima”, porque você é incapaz de perceber o quão podre você é e não só os que estão acima de você. 

“Não olhe para cima”, porque o julgamento vem de lá: você não tem controle de sua própria mediocridade, se prendendo à polarização da política(gem) e discussões superficiais sobre vários nadas. 

Mckay traduziu o nosso tempo: ninguém está entendendo coisa nenhuma. 

Tem que ter uma saída? 

Bom, pelo visto, se havia uma, já é tarde demais para alcançar.

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