Comemorando 40 anos, Titãs lançam Olho Furta Cor e mostram que se repetir não é uma opção

Não é preciso contextualizar a importância dos Titãs não só para o rock, mas como para a música brasileira num todo.
Com quarenta anos de atividades, o outrora octeto e hoje reduzido a um trio (desculpe, mas nem o baterista Mario Fabre ou o guitarrista Beto Lee, por melhores que sejam, são titãs) já transitou por todas as camadas: do underground ao super estrelato.
Já teve obras incontestáveis e discos que passaram batido até para fãs.
Em meio a especulações de uma reunião para a comemoração da data redonda, a banda formada hoje por Tony Belloto, Branco Mello e Sérgio Britto lança Olhos Furta Cor pelo selo Midas Music, seu décimo quarto disco de inéditas.



Com produção de Rick Bonadio e Sérgio Fouad, o álbum tem quatorze faixas distribuídas em menos de quarenta minutos e se há uma coisa que a banda e seus fãs podem se orgulhar em dizer é que a banda não se repete.
Seja em oito ou três, um disco nunca se parece com os anteriores.
A inquietação de Televisão (1985) não se parece com a new wave do primeiro disco; a ira de Jesus Não Tem Dentes (1987) é diferente da raiva rasgada e inconformada de Cabeça Dinossauro (1986) e assim por diante.
Da new wave, passando pelo punk/grunge ou o vanguardista O Blesq Blom (1989), considerados por muitos seu melhor e mais influente momento, o grupo sempre se reinventa chegando até a gravar uma ópera rock.


crédito: divulgação

E para quem esperava que o próximo lançamento trouxesse, até pela circunstâncias, um apanhado de sua carreira, sinto muito, mas o disco tem vida própria com seus encantos e alguns defeitos.
Se não dá pra chamar de “ensolarado”, Olho Furta Cor também não é embrutecido como Nheengatu (2014).
Em sua essência, é um disco pop que privilegia a melodia sobre o peso e coloca a poesia acima da palavra de protesto.
Um ótimo exemplo é “São Paulo 3”, uma das duas poesias do concretista Haroldo de Campos musicadas por Sérgio Brito e que ficou muito bonita, embora a linha de baixo lembre bastante a da introdução de “Sangue Latino”, dos Secos e Molhados que a própria banda já citou em “Eu Não Aguento” do disco Domingo de 1995.
Embora o protesto esteja lá em faixas como “Apocalipse Só”, que abre o disco com um coro de crianças do instituto Anelo cantando um tema ritual do povo indígena Xingu e fala sobre a catástrofe ecológica que se abate sobre a Amazônia no governo do homem mais burro sobre a face da terra.
O mesmo pode ser dito sobre a pesada “Eu Sou O Mal”: "Eu deliro sonhos de sangue e de glória / Canto o hino, depois eu vou embora” – precisa explicar?
“Preciso Falar” bate no tema da diversidade e do respeito narrando um encontro entre um casal homo afetivo. Aqui o brilho é todo de Belloto que canta, toca guitarra e violão além de ter composto sozinho a canção.
Um dos pontos altos do disco, tanto lírica quanto musicalmente é a homenagem “Raul”, que descreve fielmente o que era e a importância de Raul Seixas, um dos primeiros a misturar música brasileira com rock: “Dizia que a zabumba tinha a ver com a guitarra / Dizia que o baião era igual ao rock'n'roll / Dizia que Elvis Presley tinha a ver com Luiz Gonzaga / Um de chapéu de couro e o outro com o blusão” – diz a letra embalada por uma levada de baião elétrico e terminando com um rock quase punk.
Mas também há pontos baixos.
As canções “Por Galletas” e “O Melhor Amigo do Cão” não estão bem a altura do disco sendo a primeira cantada em espanhol e a segunda uma canção sobre os cães de Belloto ou de Branco Mello, que assinam a canção.


fonte: internet

Ainda há espaço para uma composição de Mario Fabre ("Miss Brasil 200 Anos" que tem um dos melhores solos de guitarra do disco) e outra de Rita Lee e Roberto de Carvalho ("Caos" que até saiu como single).
No fim, Olho Furta Cor é um disco digno de figurar entre as obras da banda.
Sem a pressão de que seja um novo Cabeça ou O Blesq ou Titanomaquia, é agradável e divertido.
E na boa, se a gente fica feliz que Chico, Caetano e Gil ainda estejam na ativa lançando ainda que esporadicamente trabalhos novos, também temos que ficar com os Titãs, guardando, claro, as devidas proporções.

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