Erasmo Carlos (*1941 +2022) - Uma vida de boa música e boas histórias

Erasmo Carlos, que infelizmente, partiu ontem (22/11) deixou o trabalho de uma vida documentada em discos maravilhosos.
Do rock à música romântica, passando pelo samba e ritmos latinos, foi o grande parceiro de Roberto Carlos por toda sua longa carreira.
Obviamente, com tantos anos de música e atividade, abundam também boas histórias.
Algumas ele contou pessoalmente em seu livro Minha Fama de Mau (Ed. Objetiva/2009.
Abaixo, duas hilárias.
Obrigado, Erasmo. Valeu Gigante Gentil.

(...)O careca apareceu no bairro vindo do nada e sem ser convidado. E o pior: vinha de mãos dadas com Eleonor, a menina mais bonita, gostosa e desejada do lugar.
A turma, que por anos sonhou com a menina que só saia de sua casa acompanhada dos pais e, nunca, nem olhava para os lados - quanto menos para a turma – resolveu que aquilo era uma provocação.
Aquilo teria consequências...
Pensaram e decidiram que não usariam de violência, que tratariam o caso de forma anônima, mas avassaladora. Que atacariam a moral do careca.
O plano era o seguinte:
Primeira parte seria pichar nos muros do bairro por onde o careca passasse coisas como:
“O careca é terrível”, “O careca é perigoso.”, “O careca é imoral.”. “O careca é careca!”
A princípio aquilo parecia ter surtido efeito. Era só ver as expressões faciais do careca ao passar pela rua e ler os “elogios” da galera...
Porém, agora já não só andava de mãos dadas com Eleonor, como também namorava no portão, trocando beijos recatados na bochecha e sob a supervisão dos irmãos menores na janela da casa.
A segunda parte foi infame: Nos banheiros dos botecos da região, nos banheiros dos mercados, das igrejas e principalmente nos banheiros públicos começaram a aparecer mais pichações: “O careca é viado”, “Careca é aberração”, “Careca é sonso” ...
No sistema de alto falantes do bairro, de hora em hora apareciam mensagens do tipo: “E Madalena manda um beijo para o careca que namora Eleonor e lhe oferece uma música.”.
Invariavelmente tocava logo em seguida a marchinha “Nós os carecas”, aquela que diz que é dos sem cabelo que elas gostam mais...
Neste ponto, todos no bairro já desconfiavam quem estava por trás das ações contra o cuca lisa e passaram a olhar torto para a turma. Até os familiares reprovavam.
Porém à última parte do plano foi posta em prática e, de diversas agencias de correio espalhadas pela cidade, começaram a chegar cartas à residência da agora noiva do careca desancando ainda mais o pouca telha: “O careca é brocha”.
Aquilo foi a gota d´água, todos, absolutamente todos se viraram contra a turma e até os irmãos da menina sumiram da janela, em um claro sinal de que agora até a família dela apoiava incondicionalmente o namoro e confiava no cabeça pelada. Em uma manhã de sábado o careca veio pessoalmente falar com a turma que estava reunida a sombra de uma arvore.
Chamou primeiro Tonho Croco, o líder do pessoal para uma conversa particular que se desenrolou ali mesmo. Os outros assistiam prontos para a ação, porém, quando viram que Tonho e o careca apertavam as mãos, relaxaram e ouviram de Croco o seguinte discurso:
“-Gente, beleza, vamos acabar aqui a campanha contra o careca... Ele é de paz, é de boa, só não tem cabelo... E mais, a gente vai dar porrada em quem chamar o careca de careca. Ah, ele disse que não tem jeito, vai casar com a Eleonor de qualquer forma... E que vai se formar dentro em pouco em medicina e que não pega bem se ele ficar conhecido pelo apelido de careca... Então fica assim: vai na paz case com ela e tenha muitos carequinhas, pra gente poder chamar eles de “filhos do doutor careca” ...
O careca ficou contente com o resultado e foi embora enquanto a turma arrumava outra diversão...

-Carlos Imperial tem uma grave denúncia a fazer sobre o cidadão Erasmo Esteves, popularmente conhecido como Erasmo Carlos. – disse o radialista Luís Aguiar, da Rádio Bandeirantes.
E assim que ouviu isto no rádio, o Tremendão se abalou até os estúdios da emissora para uma conversa tête-à-tête com o produtor e empresário.
Ao chegar, notou que os estúdios estavam cheios. Artistas, amigos, colegas de trabalho, jornalistas, fãs... Todos estavam lá para saber qual a denúncia e ver de perto qual seria a reação de Erasmo.
Assim que viu Erasmo, Imperial começou a gritar: “-Você quer ganhar dinheiro às minhas custas? Prometeu que ia gravar outra música minha no lado B de “Vem quente que estou fervendo” e não cumpriu a promessa! Você é um moleque mentiroso!”.
-Qual é rapaz? Sou dono do meu nariz e gravo o que eu quiser. – devolveu Erasmo e o bate-boca só aumentou.
Os amigos comuns, que incluíam Roberto Carlos, os Vips, Leno e Lilian entre outros, tentaram administrar a situação, afastando os litigantes.
Com um pouco mais de espaço a seu favor, Carlos Imperial desfere um chute e uma saraivada de socos em Erasmo que, claro, revida.
A pancadaria foi geral e sobrou para todo mundo. Só terminou quando, rasgados e arranhados, os dois foram devidamente separados.
Nos dias seguintes os jornais e revistas de fofoca deitaram e rolaram sobre o assunto.
Imperial declara que seus advogados iriam pleitear, além da gravação obrigatória de outra música sua no lado B do futuro compacto de “Pode vir quente...” uma indenização de vinte mil cruzeiros por quebra de contrato.
Erasmo apenas respondia: “-Pode vir quente, que eu estou fervendo...”.
Nascia ali, além de um dos maiores clássicos da música jovem brasileira, uma das maiores histórias de picaretagem de todos os tempos:
-Pô Imperial! Aquele seu chute deixou um tremendo hematoma na minha perna!
-Ah é? Um dos socos que você deu pegou em cheio na minha cara... Isto não conta não?
-Pior foi a cara do Roberto, se esforçando pra separar a gente.
-Pô bicho? Cê não tinha contado pra ele do plano?
-Não, achei que você tinha contado...

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