Com Estradas Dentro, o Tukum discute temas difíceis com leveza e beleza

E se em pleno 2023 houvesse um disco que discutisse temas complexos e por vezes espinhosos como vulnerabilidade e finitude e não fosse punk ou metal?
E se esse disco trouxesse músicas - apesar dos temas - solares e leves, ricas em harmonias e melodias com ambiência acústica e intervenções elegantes de instrumentos elétricos e carregadas de percussão?
E se essas músicas, mesmo com toda a roupagem folk soassem brasileiríssimas com ritmos soltos, alegres e mesmo nos momentos mais climáticos e atmosféricos ainda flutuasse aos ouvidos?
E se tudo isso trouxesse mensagens de esperança de um tempo melhor com letras inspiradas e, porque não dizer iluminadas, pelas divindades das religiões de matiz africana?
O Tukum (@tukum_bando), grupo formado em Itanhaém por Flávio Pacato, Luisa Pitta e Bruno Olivieri (um paranaense e dois cariocas respectivamente) cometeram esse disco que se chama Estradas Dentro (2023, Independente) e já está disponível nas plataformas.


São oito canções autorais (e muito originais) em que tudo que está nas linhas acima se emaranha forjando uma obra sólida e bem resolvida que apresenta desde os primeiros acordes a intenção de prender a atenção do ouvinte e ganhá-lo pela beleza.
Não é à toa que a faixa escolhida pra abrir o disco, “Alma Barqueira”, soa como um resumo desta intenção posto de forma clara na melodia alegre e leve, na letra que convida a deixar o mar entrar e marejar o coração (refrão grudento que nos faz cantar junto já na primeira audição) e a saudação a Iemanjá (“Odoyá cardume do mar.”).
Algo me diz que Dorival Caymmi adoraria esta canção...
Aliás, o mar é quase um personagem do disco aparecendo em mais quatro letras direta ou indiretamente o que me fez lembrar do disco do baiano lançado em 1954.
O álbum tem muitos destaques e alguns são as canções “Asas n´alma” que traz a participação da cantora pernambucana Flaira Ferro e une em sua letra Bach e Lia de Itamaracá com instrumentação feliz que faz contraponto à faixa seguinte que é “Contínuo Ar” de andamento intenso, quase pesado e letra afirmando que “a vida quer continuar”.
Ainda há “Pedacinho de Caminho”, outra música fofa que cita os orixás e é quase uma oração que ao mesmo tempo que pede proteção, agradece a continuidade afirmada algumas faixas antes.
Mas não precisa confiar nesse texto não, ouça o disco. Mas ouça do começo ao fim, como se fosse um livro.
foto: Flora Negri

Estradas Dentro foi produzido por Guilherme Kastrup, responsável pelo genial A Mulher do Fim do Mundo, disco de Elza Soares lançado em 2015 e que venceu o Grammy Latino e tem as participações dos músicos Ricardo Prado (baixo, guitarra, teclado, sanfona, piano, sintetizadores, mixagem e masterização), Du Gomide (violão, baixo, rabeca, guitarra, euroreco e sitar), Guilherme Kastrup (bateria e percussão) e Reblack (violoncelo).
Só que nem tudo é perfeição... O disco tem o pequeno pecado de ser curto com pouco mais de vinte e nove minutos de duração.
Ainda bem que existe o repeat.

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