Paula Cavalciuk faz de Pangeia um disco plural passando pelo folk, pop, moda de viola e mais

A vida é um eterno movimento de idas, vindas, partidas e chegadas.
A cantora e compositora de Sorocaba (S.P.), Paula Cavalciuk  ainda vivia a experiência triste da perda de seus pais, que faleceram com um intervalo de apenas quatro meses, enquanto estava grávida de sua filha e se inspirava em um acontecimento com ares místicos para escrever a canção Dança do Vento”.
Ela própria conta: “-Eu estava sozinha em casa, na cozinha, tomando café da manhã, quando escutei a viola do meu pai sendo tocada na sala, um Mi Maior em ‘cebolão’. O nome da afinação é esse porque faz a gente chorar, que nem quando corta cebola. (...) Quando entrei na sala, era o vento soprando a cortina, que dançava e batia na viola.”
O resultado é uma melodia pontuada pela viola que se pode dizer, foi soprada aos seus ouvidos por seu pai para ninar a neta enquanto a letra fez a ponte falando sobre essa roda continua que transforma filhos em pais.
“Dança do Vento” é uma das faixas mais bonitas do álbum Pangeia (2024, independente), mas não é – nem de longe – o que o define ou resume.


Gravado durante o último trimestre de sua gestação, o disco reúne doze composições com reflexões sobre eventos que forçosamente (para o mal como a pandemia e para o bem como a gestação) mudaram sua forma de ver e entender a vida.
Isso fica bem claro na letra da faixa de abertura “Pleno Mistério”: "Redescobrir, existir / Exige tempo, paciência / É que pra surtir efeito precisa presença / Mas pra quem ontem mesmo gritava intolerância / Acordou chorando igual criança.”
O álbum tem a pegada instrumental acústica que aponta ao folk, mas isso também não o define.
A faixa título, por exemplo, tem tintas bluesisticas na levada da percussão de Bruno Buarque e nos arranjos de viola, violão e baixo de Anderson Charnoski. 
Aliás, os dois fornecem a instrumentação de todo o álbum.
Arrisco dizer que nesta faixa está também a melhor performance vocal do álbum indo da delicadeza à virtuose sem forçar, sem cansar.
Outro bom destaque é a deliciosa levada de viola caipira raiz de “Deus na Internet”, parceria de Paula com Anderson onde o algoritmo vai ao status de novo deus que leva seus fiéis a serem caridosos nas redes sociais, mas com preguiça de ser solidário na vida real.
“Soledad” transpira música flamenca tanto na parte instrumental quanto na letra dramática e derramada (“Três filhos tivera Dona Soledad Solidão, Tristeza e Saudade...").
E sim, é bom prestar atenção nas letras que são ultra bem cuidadas.
Se o demônio está nos detalhes, aqui as letras são repletas deles. Vide
“Bem Idiota”.
foto: Lu Bortoline

O disco foi gravado em março e abril de 2022 e chega às plataformas oito anos após o último trabalho de Paula, Morte & Vida, de 2016.
A produção e mixagem caprichadas são de Bruno Buarque com masterização de Leonardo Nakabayashi e arte da capa de Jeff Caodenado.
Merece audição atenta já que periga ser um dos lançamentos mais bonitos do ano.

Comentários