Pé no Mato - O ouro do Lix Brás escondido no excesso de informação

Não é raro em conversas dentro e fora da internet ouvir/ler a frase: o rock morreu.
Outra versão deste mesmo vaticínio é: a música antigamente era melhor.
Esse pessoal em geral tem o hábito antigo de se pautar pelos meios de comunicação (TV, rádios tradicionais) ou pelos informes de “popularidade” com quantidade de cliques das plataformas de streaming.
Aí véi... Sinto muito, mas é ladeira abaixo mesmo.
O Mzq-Se foi criado com a ideia de dar notas sobre o universo pop, mas com o tempo deu pra entender que os caminhos e a missão eram outros.
Passei a responder as frases lá de cima com: “-A música continua boa, cês que tem preguiça de procurar.”
Não estava e não estou errado.
A quantidade bandas e artista com trabalhos originais e instigantes é gigantesca e isso gera um problema de divulgação em um tempo em que o fluxo de informação é constante e enorme, mas pulverizada atingindo (respingando?) em poucos e nichados grupos.
Resolvi fazer minha parte, ainda que a passo de formiga, mostrando que a música continuava boa, só não morava mais no centro... Resolvi indicar estes novos endereços e mostrar o que de bom chegava (e agradava, que não dá pra indicar pras pessoas algo que não se goste) até mim e que seria bom que mais gente conhecesse.
Deu certo? Não dá pra saber, talvez nunca dê, mas que está sendo uma diversão recompensante, está.

Ainda mais quando me chega (pelas mãos do próprio artista, sem divulgadora, sem assessoria) algo como esse disco de uma banda chamada Lix Brás chamado Pé No Mato (2024, independente), seu segundo trabalho.



Formada por Daniel de Sá na bateria/percussão, gaita e responsável pela mixagem e Felipe Oliveira na guitarra, baixo, voz e nos arranjos e diferente da grande maioria dos sons recebidos - que transitam entre o punk e suas variantes, metal, hip hop e folk - o som deles saltou das caixas surpreendendo forte a ponto de não conseguir parar de prestar atenção.
Um rock embebido, pra não dizer enxarcado de elementos regionais do interior paulista. Desde os arranjos super criativos até as letras divertidas funcionando em diversos níveis e com inspirações diversas que acabam convergindo para uma unidade improvável.
O disco já abre com um petardo chamado “Chimpanzé da Estepe”, um rock inflamado com riffs e a declaração de liberdade da letra (“...nessa vida de gato e rato, sou chimpanzé/nessa vida de gato e rato faço o que quiser.”).
As referências dessa letra passam por Mutantes, Raul, e claro, Herman Hesse, mas a mais surpreendente é a citação ao Black Zé, banda carioca dos anos 70 do som “Só Para os Raros” (citada literalmente na letra). Confesso aqui que emocionou.
“Galo Louco”, som seguinte é um reggae/rock mais, “tranquilo” em que a guitarra se sobressai. Ah sim, difícil não ficar com o refrão grudado na cabeça por horas.
“Chaminé de Sonhos” é pesadona, mas tem na catira (ritmo regional do interior paulista) a introdução e o DNA.
A letra tem um que de espiritualidade e nem é por conta do grito “Eu Sou Macumbeiro” que vez por outra surge.
Destaque para a bateria de Daniel que conduz a parte pesada como se fosse uma locomotiva.
Bucólica é a história contada em “Pirilampo”, uma faixa gravada com sotaque caipira que (sem soar caricato) faz todo o sentido para falar do vagalume que “alumia a madrugada quando a luz se apaga”. O fim da história é fofo.
Não para por aí... “Pé de Jaca” é uma das melhores letras do disco (e das que li/ouvi nos últimos tempos):
“Ô meu amigo viver é um perigo e a gente tem que se virar...”


A única aparição de um músico diferente no álbum está na faixa “Ventania”, que é um dos rocks mais “tradicionais” do trabalho e conta com a voz de Aurélio Filho que também é um de seus compositores.
Sentiu falta de uma balada? Tá aqui: “Amora”, que tanto pode ser a fruta delicada que se encontra em arbustos que nascem espontaneamente em alguns lugares, quanto uma musa inspiradora.
É o momento de respiro para encarar a parte final do disco com as citações literárias de “A Última Pagina” que tem direito sintetizador emulando um arranjo de cordas de muito bom gosto e “Curupira”, uma quase vinheta homenageando o personagem do folclore que cuida das matas com ares de molecagem que a letra faz questão de acentuar.
Ao final, não é BRock, não é rock rural... é Lix Brás, mas para entender, cê vai ter que ouvir.


O disco foi gravado nos Estúdios GR, em São Paulo em junho de 2024 e segundo Felipe: “...é a concretização (ou o reflorestamento?) de um sonho musical.”.
Depois de ouvir (várias vezes) o disco me peguei pensando: foi pra isso que montei isso aqui. 


Comentários

  1. Karina Santos12/07/2024, 19:13

    Ótima crítica, trabalho muito foda que tb me deixou fascinada. Só corrigindo, o compositor parceiro da música "ventania" se chama Aurélio Filho.
    Adorei a crítica 😉

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  2. Muito bom! Estou há algumas semanas com a música pé de jaca na cabeça kkk abs

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  3. Pra quem ouviu as músicas do álbum "Pé no mato", esta resenha pelo Mzq-Se, traz com detalhes a originalidade de cada música deste artista. O título "O ouro do Lix Brás escondido no excesso de informação", reflete literalmente a obra musical do Lix Brás. Parabéns a equipe do Mzq-Se por compartilhar esta raridade! E parabéns, ao músico deste disco.👏👏👏

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