Muito obrigado, Zé! - por Marcos Lauro

Sempre dizem que as invenções surgem a partir da necessidade. E, na dúvida, o cinema de José Mojica Marins é prova disso. Imagine você inaugurar um gênero cinematográfico no Brasil de 1964. Um gênero que precisa de efeitos especiais, truques e técnicas de filmagem específicas, como é o terror. Além de tudo isso, um gênero que mexe com dogmas, superstições e diz coisas que abalam a moral cristã dominante. Mojica precisava recriar um cemitério sinistro, com mata fechada, no estúdio? Foi com uma equipe até o Largo do Arouche e “roubou” as árvores da praça. Fez a cena. Mojica precisava mostrar que seu personagem, Zé do Caixão, não temia nada, absolutamente nada? O colocou na janela comendo carne vermelha em plena Sexta-Feira Santa sob os olhares assustados das carolas que passavam em procissão. Fez a cena. Ao contrário do senso comum, que imagina o inferno como um lugar escuro e quente, filmou seu inferno claro, colorido e gelado – o filme era preto e branco, mas se tornava colorido nessa parte. Fez a cena. Magistralmente e contracenando consigo próprio, como Zé do Caixão e Nero. Uma cena inesquecível.

Antes disso, já tinha feito faroeste. Depois disso, com a queda do cinema comercial no Brasil, dirigiu e atuou em filmes pornográficos, onde também foi pioneiro. Para chamar a atenção para seus filmes e economizar dinheiro, fez de um tudo: botou anúncio em jornal procurando “gente feia” pra ser figurante, fez concurso para escolher um sucessor no começo dos anos 2000 (que, claro, não vingou... não há um novo Zé do Caixão), participou dos mais bizarros programas de TV e tentou até uma cadeira como Deputado Federal pelo PTB.

Mojica viveu muito tempo angustiado pela falta de reconhecimento ao seu cinema em seu próprio país. Mas nos últimos anos, ganhou homenagens, série (interpretado brilhantemente por Matheus Nachtergaele), mostras exclusivas e teve seu reconhecimento – talvez não com retorno financeiro, mas, ao menos, pelo trabalho realizado. No exterior, as homenagens nunca cessaram.

José Mojica Marins não foi apenas Zé do Caixão – o que já seria gigantesco. Mas foi um dos maiores cineastas que esse país já viu. Criativo, genial, louco, fora dos padrões e sem medo. Muito obrigado, Zé!

Marcos Lauro é fundador da  Orfeu Digital

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