Musique-se recomenda: Mayhem - Os Senhores do Caos

Fim de semana chegando e aqui no Musique-se a gente sempre sugere algo para vocês toda sexta-feira.
Hoje, venho com uma dica envolta de ressalvas: talvez seja uma sugestão para um público específico e - por assim dizer - destemido (risos).
Talvez seja preciso que tenha algum interesse pela cena do Black Metal norueguês. E se esse for o caso, você conhece essa história:

Em meados dos anos 80, Euronymous, pseudônimo de Øystein Aarseth montou uma banda em Oslo , Noruega, chamada Mayhem. Ele foi pioneiro no heavy metal nórdico e formador da cena do black metal norueguês Também foi dono da gravadora Deathlike Silence e da loja de discos chamada Helvete.
Após uma briga por motivos que, até hoje, ninguém sabe ao certo, ele acabou sendo assassinado em agosto de 1993 por Varg Vikernes, outro músico da banda, chamada Burzum.

Obviamente, fãs do metal extremo sabem dessa história como ninguém. 
Agora, se você aí, que conhece vagamente algo sobre Black Metal, talvez veja uma boa chance para conferir a película que conta essa história sob o ponto de vista em que Euronymous foi vítima de sua - digamos - excentricidade. Lord of Chaos, aqui no Brasil intitulado Mayhem - Os Senhores do Caos, retrata essa balbúrdia na Noruega em meados dos anos 1980 e começo dos anos 1990, com o surgimento dessas bandas extremas, o movimento satânico e a onde de crimes - queima de Igrejas e assassinatos - que assolou o país nesse período. Especificamente com a relação de duas figuras do cenário da música pesada, Euronymous e Varg são apresentados como os dois lados desse mundo
.
Cabe aqui, outros avisos. Para o público que conhece o assunto, pode ser trivial o que vou dizer, mas para quem ficou curioso, talvez não.
O filme, dirigido pelo sueco Jonas Akerlung, é considerado do gênero "thriller dramático". Em alguns lugares até mesmo se coloca o termo "terror" - o que talvez seja um exagero. O termo adequado é "thriller" mesmo, pois, como bem se refere no conceito, filmes assim sugerem um suspense carregado de tensão. O melhor exemplo para ilustrar o gênero são os longas de Alfred Hitchcock.
Diferente do simples "terror" - apesar de abordar temas como assassinato, suicídio, mutilação e referir-se ao Diabo - não é bem isso, já que o "terror" tem como ponto primordial causar medo.
No filme de Jonas Akerlung - famoso por ter sido membro do Bathory entre os anos de 1983 e 1984  e seu trabalho em videoclipes, desde Metallica até Madonna - você pode até ficar "aterrorizado", mas não há fantasia ou ficção especulativa em torno da narrativa. Tudo fatalmente ocorreu (certamente com algumas modificações ou adaptações) como foi contado.

Por isso, você aí que, conhece pouco ou nada sobre Black Metal e quis assistir ao filme quando começou a ler esse texto, explico diretamente: eu, que conheço a história, fiquei, nas cenas mais violentas com uma tensão enorme no corpo, talvez para os mais sensíveis ou avessos à temática, podem se sentir incomodados. É um tanto difícil de relaxar num filme desses, mesmo sabendo o que vai acontecer, inclusive sabendo os detalhes da morte, por exemplo.
É angustiante, não vou enganá-los.

Se você como eu, evita esses filmes ou simplesmente, não gosta de nenhum derivado do gênero (como thriller policial, thriller psicológico, e até mesmo, o suspense mais leve), pode declinar sem vergonha. É um filme bem indigesto.

Se topar encarar, mediante todos os avisos acima, algo bom pode ser aproveitado da experiência. E é para isso que estamos aqui: para sugerir, mesmo que não seja uma boa dica, equivalente à um passeio no parque com direito à algodão doce.
Num todo, o filme também exalta o quanto uma atitude pode virar um grande problema e em segundos, uma bola de neve, sem controle, rumo à fatalidade.
A ideia de Euronymous de expor a necessidade de ser um headbanger extremo e ser também um satanista, a publicidade que fez vinculando imagens do Dead - vocalista do Mayhem em 1988, que se suicidou em 1991 - morto, num bootleg ao vivo intitulado Dawn of the Black Hearts, deram indícios de que ele poderia estar "over the edge" da insanidade.  No fim das contas, é possível entender que, ainda assim ele era, no mais, humano, como todos nós.

Assistam o trailer, abaixo:


O filme conta com Rory Culkin (irmão de Macaulay) na pele de Øystein/Euronymous e Emory Cohen como Kristian/Varg Vikernes. A natureza obscura com as quais os dois se encontram e criam laços dão o tom da narrativa. O contraponto entre eles é bem explicitado. A maioria das passagens são baseadas nos depoimentos e eventos que lemos os detalhes por aí. Porém, o toque do diretor (que também assina o roteiro ao lado de Dennis Magnusson), está na representação final dos dois personagens em questão: enquanto Euronymous aparece como alguém que extrapolou, que ficou vaidoso, mas que aos poucos, foi tomando consciência dos excessos, Varg é aquele que foi criando uma suposta inveja, uma necessidade de ser superior ao colega, o que na progressão, acabou culminando no ápice de sua vilania, no assassinato de Øystein.

Varg nega que tenha saído com a intenção de matar Øystein e recentemente, veio em seu canal de youtube "reclamar" da colocação de ser um filme baseado em uma história real, inclusive levantando a questão de que Øystein seria gay não assumido, entre outras coisas que o filme mostra e que ele afirma ser "mentiras" (há uma matéria do ano passado no Whiplash sobre isso. Quer ler? Clique aqui).
Ao terminar de assistir o filme, não se surpreenderão com essas declarações de Varg que, apesar de ter cometido o assassinato, está livre desde 2009, tendo cumprido 16 anos de prisão.
Se a história se deu ou não do jeito que foi adaptado do livro sobre a cena intitulado Lords of Chaos: The Bloody Rise of the Satanic Metal Underground de Michael Moynihan e Didrik Søderlind, jamais saberemos. Tudo ainda é muito obscurecido e há muita controvérsia.
Além disso, a história trás muito a se pensar sobre esse radicalismo da galera do metal extremo com essas ideias satânicas, ritualísticas e de crítica violenta ao cristianismo, obsessão com a morte com a naturalização diante de mortes brutais. Falei sobre a onda de crimes na Noruega quando falei desse documentário, do Sum Dunn, aqui.

O filme, muito bem feito, possui ritmo agradável, edição descente. É nota 10 sob o ponto de vista técnico. O apelo é ser um filme tenso e atende à essa expectativa. As atuações são bem convincentes e a maquiagem, não deixa a desejar - pois o perigo numa dessas é que os mortos parecessem "fakes", digno de filme b - e não é o caso - embora eu não seja nenhuma especialista.

Mayhem - Os Senhores do Caos está disponível na plataforma da Telecine Play, bem como no YouTube.

Correndo todo o risco de parecer contraditória num texto desses, ainda assim me despeço com: Abraços afáveis (rsrsrsrs...) e Musique-se!

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