A influência da literatura de Tolkien na música - Especial Blind Guardian (5)

Nesta quinta postagem sobre o “casamento” da banda alemã Blind Guardian com a literatura fantástica, em especial a de J. R. R. Tolkien, falaremos do quinto álbum de estúdio: Imaginations From The Otherside, lançado em 1995. 



Logo, considerado o disco mais “dark” que os lançados anteriormente, possui em sua arte da capa, o que parece ser uma escrivaninha, um livro sendo escrito e um adorno de uma paisagem medieval com direito a amuleto e dragões. 
A faixa título é um mix de “homenagens” incrivelmente especial:



Where's the ocean's daughter?
Was Peter Pan in Mordor?
(Onde está a filha do oceano? / Era Peter Pan em Mordor?)

Neste primeiro trecho, há uma referência ao personagem Peter Pan e também ao O Senhor dos Anéis ("Mordor"). Peter Pan é uma metáfora de um menino que não queria crescer. A peça de teatro  original, Peter and Wendy, foi escrita pelo escocês J. M. Barrie. O enredo pauta num garoto que vive em um lugar mágico chamado "Neverland" - ou como conhecemos, a "Terra do Nunca" - vivendo aventuras.
As referências à outras histórias não param por aí! 

All these fairy tales
May I return to Oz
Will I meet the Tin Man
Coward Lion, where are you?
Without brain the Scarecrow's lost
In the middle of the lake
(Todos esses contos de fadas / Posso voltar para Oz / Vou conhecer o Homem de Lata / Leão Covarde, cadê você? / Sem cérebro o Espantalho está perdido / No meio do lago)

Acima há claramente uma menção ao O Maravilhoso Mágico de Oz de L. Frank Baum, de 1900! Esse romance foi considerado o primeiro conto de fadas genuinamente americano. Nele, há até referências  politico-sociais americanos do fim do século XIX.  Kansas, um estado rural, teria muitos eleitores do partido populista americano e o Espantalho seria a metáfora do homem fazendeiro e o Homem de Lata, o contraponto - ao trabalhador industrial.  
O conto popularizou-se ainda mais pela adaptação em cinema com Judy Garland fazendo a garota Dorothy, e foi lançado em 1939, dirigido por Victor Fleming. 
A produção do longa envolveu tanta "confusão" que, hoje há vários dossiês disponíveis pela web contando os problemas que ocorrera nos bastidores das filmagens, inclusive, os abusos sofridos por Judy, que teve conseqüências drásticas em sua vida pessoal. 

Do you know if Merlin did exist?
Or Frodo wore the ring?
Did Corum kill the gods?
Or where's the wonderland
Which young Alice had seen
Or was it just a dream?
I knew the answers
Now they're lost for me
(Você sabe se Merlin existiu? / Ou Frodo usava o anel? / Será que Corum matou os deuses? / Ou onde está o país das maravilhas / Que a jovem Alice viu / Ou foi apenas um sonho? / Eu sabia as respostas / Agora elas estão perdidas para mim)

Neste ponto da letra de Hansi Kursch, o vocalista e baixista da banda, trás uma menção à Merlin, o mago conselheiro do Rei Artur das histórias do ciclo arturiano. Já apresentamos nessa série de postagens que Tolkien não tinha um, mas os dois pés muito bem fincados no grupo de autores que desenvolveram ou traduziram algo referente ao compêndio dessas lendas. Era um ávido leitor de tudo que envolvesse as Lendas do Rei Artur.
No caso da letra da música, essa referência está às voltas do livro The Sword in the Stone do escritor britânico T. H. White, publicado em 1938, inicialmente como um trabalho independente, mas que acabou fazendo parte da primeira parte de uma tetralogia, The Once and Future King
Este é um conto fantástico sobre a infância do Rei Artur, sendo também uma obra singular que combina elementos de lenda, história, fantasia e comédia. A  Disney adaptou a história a um filme de animação – A Espada Era Lei já tem quase seis décadas (1963).

Mas quem é Corum?
Corum Jhaelen Irsei ("the Prince in the Scarlet Robe" ou "o Príncipe do Manto Escarlate") é o nome de um herói na série de duas trilogias escritas pelo autor Michael Moorcock. Sua primeira aparição foi nos livros The Knight of the Swords, The Queen of the Swords e The King of the Swords (todos de 1971).

Em seguida, no trecho supracitado, temos as referências diretas ao Alice no País das Maravilhas, livro de 1865 escrito por Charles Lutwidge Dodgson sob o pseudônimo de Lewis Carroll. O conto brinca muito com a lógica e isso acabou gerando um público tanto infantil, quanto adulto. É uma das obras inglesas que mais influenciou a cultura e a literatura popular no século XIX, especialmente no que diz respeito ao gênero da fantasia.

Don't fear the lion nor the witch
(Não tenha medo do leão, nem a bruxa)

Essa única passagem merece destaque: o Leão e a Bruxa poderiam até ser sobre Mágico de Oz - isto é, o Leão Covarde e a Bruxa Má do Oeste -, mas na real Hansi está se referindo ao livro de C. S. Lewis - As Crônicas de Nárnia, especificamente a primeira parte: O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa
Esta a obra mais conhecida de Lewis, considerada um clássico da literatura com 7 volumes publicados entre 1950 e 1956. Lewis era muito amigo de Tolkien no tempo em que eram professores de Oxford. Apesar das diferenças em alguns pontos, especificamente com relação às escolhas sobre suas carreiras literárias, tinham gostos em comum e eram almas irmãs. 

Com mais de 7 minutos de duração, Imaginations From The Otherside começa de fato, climática e sombria dando a deixa pelo que estaria por vir. 

Stranded in the real world
Left in a world no place for daydreams
Serious life I fall into
I fall into a dark hole
And I can't come out
(Encalhado no mundo real / Deixado em um mundo, não há lugar para devaneios / Vida séria, eu caí / Eu cai em um buraco escuro / E eu não posso sair)

Além de citar obras fantásticas grandiosas para o gênero, a letra parece reclamar os tempos infantis em que as imaginações fluíam e em que era possível "viajar" para outros mundos. Num rompante de desconforto, a vida adulta, o mundo real parece mais duro e deixando a maioria de nós, perdidos e à procura de um escape.

So I look into myself
To the days when I was just a child... 
...I can't come back I'm lost
But still I know there is another world
(Então eu olho para dentro de mim / Para os dias quando eu era apenas uma criança... / ... Eu não posso voltar, eu estou perdido Mas ainda assim eu sei que há um outro mundo)

Falamos então de outra faixa: A Past and Future Secret retoma a obra de  T. H. White,  The Once and Future King, com toda uma vibe de música medieval, que eu particularmente adoro:


When I cry out for the dark
Take him back to Avalon
Dwell on for a new age
So long sleep well my friend
Take him back to Avalon
I will wait and guard
The future king's crown
(Eu sinto frio / Quando eu choro no escuro / Leve-o de volta a Avalon / More lá durante uma nova era / Então, adeus, durma bem, meu amigo / Leve-o de volta a Avalon / Eu irei esperar e vigiar / A coroa do futuro rei)

Seguindo esses contos arturianos, a Mordred’s Song já indica pelo título a referência: a letra é sobre o personagem Mordred.

Pain inside is rising
I am the fallen one
A figure in an old game
No joker's on my side
I plunged into misery
I'll turn off the light
And murder the dawn
Turn off the light
And murder the dawn
(A dor dentro cresce / Eu sou o decadente / Uma figura num velho jogo / Nenhum bobo da corte do meu lado / Estou ligado à miséria / Eu vou desligar a luz / E assassinar o amanhecer / Desligar a luz / E assassinar o amanhecer)



Mais power metal que A Past and Future Secret, Mordred's Song tem um pouco mais de guitarras que a anterior e um refrão potente, que faz a gente sair cantando pela casa. Acaba sendo uma ótima pedida, devendo ser levada em conta para uma audição enquanto se lê algo relacionado ao tema, numa experiência sensorial interessante.
Mordred, figura lendária da Bretanha, ficou conhecida por sua traição ao lutar contra o Rei Artur na Batalha de Camlann, onde ele foi morto e Artur fatalmente ferido. "Mordred" significa "mau conselho" em galês.

I'm Alive (que pode ser ouvida aqui) acelera um pouco as coisas - um power metal autêntico, cuja letra se volta à um personagem de uma série de sete livros do começo da década de 1990, chamada Death Gate Cycle de Margaret Weis e Tracy Hickaman. 
O enredo desse romance de fantasia é o seguinte: Um conflito entre duas raças poderosas, a Sartan e a Patryns, que se ramificaram dos humanos após um holocausto nuclear / antimatéria. Séculos antes dos eventos da série, os Sartan tentaram terminar o conflito dividindo a Terra em quatro reinos elementares e aprisionando os Patryns em um quinto mundo de prisão, o Labirinto. 
A letra, conta sobre a personagem Haplo, um Patryns que tentar escapar de todos os 99 níveis da prisão de Sartan.

Para finalizar este post, nada mais justo fazer um comentário sobre a minha canção favorita do disco: Bright Eyes!


De acordo com uma entrevista com o vocalista Hansi, a canção está vagamente conectada à segunda parte do livro The NeverEnding Story, do compatriota dos músicos, Michael Ende. Publicado em 1979, aqui no Brasil conhecemos esse romance como A História Sem Fim.
A adaptação cinematográfica de 1984, dirigida por Wolfgand Petersen, é certamente mais famosa. O imaginário fantasioso desse filme me garantiu o gosto pelas fantasia na infância e que dura até hoje. Bastian, rouba o livro A História Sem Fim de uma livraria e, a princípio, ele é apenas o narrador da história, mas ao longo do conto os personagens sentem a presença do garoto e ele torna-se um leitor ativo na narrativa, influenciando até alguns resultados - por isso, "história sem fim" - quem decide o que se passa ali, é quem a lê. 
A música tema, do cantor new wave, Limahl nos remete a todas as imagens do filme instantaneamente:


Um perfeito conto de fadas que, na começo dos anos 1990, fazia parte da lista de filmes favoritos – juntamente com A Lenda de 1985 e Willow - Na Terra da Magia de 1988.
Bons tempos...!

Abraços afáveis e até a sexta parte!

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