Nightwish nos faz pensar sobre a humanidade em novo disco

O Nightwish está de volta, com o Human. :II: Nature., o nono álbum de estúdio, o segundo com Floor Jansen, Troy Donockley e Kai Hahto como integrantes oficiais, e também é o segundo álbum "conceitual" depois de Imaginaeum (2011). No entanto, essa obra é a primeira que necessitou de uma segunda parte, o disco 2, para se ver completa, sendo assim o primeiro álbum histórico da banda.
Explico.

Com Endless Forms Most Beautiful (2015), a banda apresentou um novo jeito de fazer música: mais maduros, as apostas sonoras expandiam horizontes, sem deixar as origens virarem coisas apenas da lembrança. Tuomas conquistou corpo e personalidade em suas letras e como compositor, também amadureceu, sem deixar as suas maiores inspirações guardadas nos álbuns do início da carreira.
O oitavo álbum era uma faísca para o Human. :II: Nature., assim como o Dark Passion Play (2007) foi para o Imaginaerum, pois primeiro explorou o que havia de melhor em termos de peso e lirismo para compor o segundo - um álbum "imaginário" como conto de fadas.
Com Endless Forms Most Beautiful também a banda trouxe temas como razão e evolução para o corpo lírico das canções. Human. :II: Nature. é uma ode àquilo que nos define enquanto seres humanos na Natureza e acabou desencadeado depois do complexo antecessor, que soava à Tuomas, ter se esgotado por ali. Mas, ele estava enganado e isso é maravilhoso: Depois de um projeto com a sua esposa e Troy Donockley, ele se inspirou novamente. As letras do novo disco falam de tudo que nos envolveu em nossa gênese - dos tempos em que os primeiro humanos manipulavam ferramentas rústicas, quando dominavam a fala e agricultura - e tudo com pequenos títulos como Tribal, ou Noise ("Barulho").

Os símbolos da capa, são da escrita cuneiforme, a primeira feita pelos mesopotâmicos (povos da antiguidade) e os primeiros registrados na história da humanidade. Sob a luz do fogo, revelamos símbolos de uma divindade (no topo) e os dois (abaixo), representando o homem e mulher. 

E é com Noise que o Nightwish abriu as portas da nossa curiosidade para ouvir Human. :II: Nature.. A música e o videoclip conclamam a nossa atenção para o que estamos fazendo de nossas vidas: o "barulho" ou "ruído" de um mundo poluído é "ensurdecedor". As pessoas sem personalidade, estão vivendo de aparências, paranóicas, viciadas em mídias sociais... "A slave of a brave new world": corroídos por dentro, nos transformamos em seres totalmente vis e rasos.
Impactante, o som é um pouco de tudo que a banda sabe fazer, com o acréscimo do vocal bem colocado da (aparentemente confortável) vocalista Floor Jansen.

Mas não é com Noise que o álbum abre, mas sim com a sugestiva Music. Como uma abertura digna de começo de show, como se fosse uma trilha sonora, Floor só começa a cantar depois de 3 minutos de instrumental. Acompanhada por um som orquestrado e um pouco de corais, a faixa fala da magia musical que acompanha a humanidade desde os tempos das cavernas, num senso ritualístico/transcendental. E aí sim é que o álbum parte para Noise, fazendo um sagaz contraponto interessantíssimo entre uma e outra.

A terceira e quarta faixa são interessantes também. Shoemaker ("Sapateiro") possui tons com mais níveis, climáticos – enquanto Floor canta, há um trabalho com baixo e guitarra que a acompanha com um coral ao fundo. No refrão, Troy canta no seu estilo leve, tribalístico. Ao fim, o coral de ópera clássica aparece poderosamente. O refrão de Shoemaker se liga à quarta faixa, que é totalmente folk: Harvest começa em percussão e violão, coral tribal e o vocal de Troy e se desenvolve num solo belo instrumental, com direito até a gaita de foles (acompanhem o vídeo oficial, aqui).

Soa incomum que a quinta faixa chamasse Pan e não usasse muito das gaitas. A música é a que tem mais clima de conto da fadas do álbum, não só pela referência mitológica do título. Pã é o deus grego dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores. Representado por um humano com chifres e pernas de bode, a sua característica é ser um amante de música e tocar músicas em uma flauta, um dos primeiros instrumentos musicais feitos pelo homem, com ossos. 
A faixa Pan possui vários destaques: o piano/teclado de Tuomas, Floor arrasando nos vocais e excelentes linhas da guitarra de Emppu (que sempre arrebenta!). A presença do coral no final dessa canção me fez lembrar as trilhas do terceiro filme da saga Harry Potter – O Prisioneiro de Azkaban. Muito provavelmente isso foi apenas uma sensação que não será comprovada. Mas ao vivo, tenho certeza que Pan será excelente e se encaixará perfeitamente no set list da nova tour.

As faixas, How’s the Heart? e Procession estão logo em seguida. A primeira, de som romântico, leve e galesa; a segunda, uma balada bombástica estilo Nightwish, são quase uma dupla apesar de se distanciarem em termos de tema das letras.

Quando anunciaram Human. :II: Nature., e anunciaram o nome de cada uma das faixas, agi como sempre faço a cada novo trabalho da banda: seleciono - só pelo título - a minha possível canção favorita. Desta vez, eu acertei em cheio nessa projeção: a oitava faixa do primeiro disco, Tribal, parecia ser a que eu ia mais gostar. Ao ouvi-la, não contive os arrepios: de fato, se mostrou perfeita!
Tribal inicia com violinos e Floor rompe tudo junto com uma bateria e baixos empenhados. As linhas de guitarra e o refrão raivoso dessa música ficaram espetaculares!
Se estão achando que eu exagero demais e que tudo isso, não passa de uma resenha entusiasmada de fã, sugiro ouvirem só essa faixa (quando o disco sair, amanhã dia 10 de abril) e ousarem dizer que eu minto descaradamente.
Já coloquei para repetir a faixa algumas vezes. Só por ela, o disco já vale toda a espera para conferir o novo material.

O disco 1, fecha com chave de ouro: Endlessness tem Marco nos vocais e tem peso, para falar da "infinidade" da relação humana com a natureza, mas ainda não finalizando essa experiência histórica das humanidades da obra.

O disco 2 é um compêndio de músicas orquestradas, com declamações intelectuais; e é perfeito para climatizar um ambiente e torná-lo relaxante. Os títulos dos "atos" são Vista, The Blue, The Green, Moors, Aurorae, Quiet as the snow, Anthropocene e Ad Astra.
À essas duas últimas, um especial destaque: Anthropocene inclui o hino de "canções hurrianas" – que são "músicas" inscritas em tábuas de barro, cuneiformes, escavadas e encontradas na Mesopotâmia, na cidade dos amoritas, ou melhor dizendo, dos antigos babilônios, Canaã – a atual região correspondente a Israel, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, um pedaço da Jordânia, Líbano e Síria – especificamente em Ugarit, uma cidade antiga e portuária situada na costa da atual Síria.

Durante uma escavação no sítio em 1928, diversos depósitos de tabuletas de argila na escrita cuneiforme foram encontradas, constituindo uma biblioteca do palácio, outra biblioteca de um templo e duas bibliotecas privadas (haver escritas particulares era uma "novidade" até então, entre os achados arqueológicos). Todas as tabuletas datam da última fase de Ugarit, em (circa) 1200 a.C., e foram escritas em quatro línguas: sumério, hurrita, acádio (o idioma diplomático do antigo Oriente Médio), e ugarítico (do qual nada se conhecia até a descoberta).

Ad Astra foi a música divulgada do segundo disco, no dia 11 de março. A música possui na sua primeira metade uma fala do cientista Carl Sagan sobre a Terra, enquanto a segunda é guiada apenas por voz melódica, sem letra, acompanhando a harmonia. O clipe foi lançado para anunciar a parceria da banda com a organização não governamental e sem fins lucrativos que trabalha na preservação de áreas ambientais que estão ameaçadas pela ação do homem, chamada World Land Trust.

Tuomas Holopainen conseguiu, mais uma vez, ser um super maestro com mais essa grande obra que diz muito mais agora do que nos tempos de sua pré e pós produção. Em tempos em que a humanidade passa por uma (r)evolução que escancara a falta de compaixão, a falta necessária de altruísmo entre seus pares, se vê aprisionada em sistemas de governos injustos e cruéis e está totalmente fragilizada, física e psicologicamente por conta de uma pandemia, esse álbum me pareceu muito necessário.
Venceremos tudo isso, pois já vencemos coisas piores. Se vamos melhorar enquanto raça pensante, ainda não sabemos. Mas a música - numa referência à primeira faixa Music - revela uma riqueza e um mistério envolto em nossa constituição, que vale a pena a ser apreciada e ensina... ah, ensina muito!
Obrigada por essa, Tuomas e Nightwish!

(O disco será lançado amanhã, dia 10 de abril.)

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