A face do destuídor - 32 anos de Cabeça Dinossauro

O segundo semestre de 1986 iniciou o que se pode chamar de fase de ouro do rock no Brasil.
Se no ano anterior Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho arrebentaram em seus shows no primeiro Rock in Rio, enfrentando na cara dura as hordas de fãs do metal e ganhando seu respeito e de quebra chamando a atenção do resto do país para a força de seus trabalhos que estavam anos luz da ingenuidade do RPM e das palhaçadas pueris da Blitz.

O Barão lançou Declare Guerra, disco injustamente considerado menor em sua discografia, mas que soa como uma declaração de independência justamente por não contar mais com Cazuza.
Já os Paralamas estavam a bordo da turnê de divulgação de Selvagem?, seu álbum mais contundente e politizado até então, começando a mistura de ritmos que pode-se dizer foi o pontapé em um rock brasileiro de verdade e não apenas rock cantado em português.
A Legião Urbana começava a ganhar o posto de mais popular banda de rock do país lançando Dois e plantando as sementes – mais até que o primeiro álbum – do que viria a ser sua obra nos anos seguintes.
Mas faltava uma banda e um disco raivoso, agressivo por instinto, com perigo e violência quase que gratuitos.
Como eram os adolescentes roqueiros de então.

E esta tarefa iria caber a um combo de músicos paulistas que já estavam na ativa desde o início dos anos 80, mas que só havia lançado seu primeiro álbum em 84: os Titãs.
Era um período complicado para a banda que ainda não havia emplacado apesar dos hits “Televisão” e “Sonífera Ilha” terem boa aceitação.
A banda estava em busca de uma identidade musical, já que seus primeiros dois discos atiravam em várias direções.
Coisa normal, já que eram oito integrantes...

Some-se isso aos problemas que a banda enfrentava com a lei e a pressão para fazer um novo disco que emplacasse no mainstream e o cenário estava montado.
Arnaldo Antunes e Tony Belloto que haviam sido presos por porte de heroína e enfrentaram processos, julgamentos e condenações, o que acabou inspirando a composição da funkeada “Estado violência” e do clássico “Polícia” com seu riff central emulando uma sirene de camburão.
“Porrada (nos caras que não fazem nada)” era a tesoura que cortava a delicada ligação entre o futuro e o passado “universitário” da banda.
Um hino antirreligioso escandalizou religiosos: “Igreja” tinha versos como: “Não gosto de bispo, não gosto de Cristo, eu não digo amém” e parecia antes uma agressão gratuita do que um atestado de convicções.
Durante os shows, alguns membros da banda até deixavam o palco.
Arnaldo Antunes não participa do vídeo clipe e nem sequer esteve no palco do hoje histórico programa Chico e Caetano, na TV Globo quando executaram a canção em dueto com Caetano Veloso.
“Bichos Escrotos” colocou na boca do público o refrão: “Vão se fuder!”, que não era o primeiro palavrão em uma canção popular, mas nunca havia soado tão agressivo e urgente gritar aquilo nos shows.
“Homem primata” era o que se pode chamar de a música mais “adulta” do disco, o que não é – nem de longe – um demérito à canção ou ao próprio disco que soava tão jovem quanto seu público e o próprio BRock.
Para fechar, “O quê” era um funk experimental de letra concretista que alçaria Arnaldo Antunes ao status de um dos melhores letristas de sua geração.
Ainda que a letra pareça não dizer absolutamente nada.
Nascia então o clássico: Cabeça Dinossauro que com exceção de “Dividas” e “A face do destruidor” – um hardcore revolucionário para os padrões brasileiros – teve todas as outras faixas executadas nas rádios e se tornaram obrigatórias nos shows.
Hoje, trinta e dois anos depois, é ponto pacifico que é uma das pedras fundamentais do rock no Brasil e o toque de Midas na carreira da banda, que ainda lançou álbuns ótimos e até revolucionários como O Blesq Blom, porém nunca mais repetiu a raiva que exala de Cabeça Dinossauro.
Nem mesmo em Tudo ao Mesmo Tempo Agora ou Titanomaquia, que são super pesados e ótimos, mas não soam tão espontâneos.

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