Em Cousin, o Wilco se reinventa ao mesmo tempo em que se revisita

 “Ligue o rádio / Foi isso que eles disseram: não mais do que dez mortos” – é o que canta Jeff  Tweed em “Ten Dead”, segunda faixa do novo disco do Wilco, Cousin (2023, Rough Trade) em que critica a normalização nas coberturas dos massacres feitos por atiradores nos EUA.
Aqui é possível se transferir a raiva, a indignação e o cansaço de Tweed para a realidade das notícias brasileiras com o mesmo teor.
No que difere as ações nos EUA das ações daqui do Brasil fora o fato de que aqui as ações são perpetradas por agentes do estado entrando em comunidades pobres e abusando de um poder lhes dado – supostamente – pela lei que deveriam cumprir?
Em nada.
São os criminosos cometendo os mesmos crimes e veículos de comunicação informando da mesma forma como se tudo não passasse da rotina de uma terça feira à tarde.
Triste e reveladora semelhança: "Dez mais, mais onze / O que é mais um para mim?"
Sim: Cousin é outro disco onde Jeff Tweed (e o Wilco por extensão) exprime cansaço e indignação com aspectos da vida nos EUA, assim como fizeram no álbum anterior – Cruel Country (2022) – porém mais enxuto, mais arejado e por vezes, muito mais brilhante. E claro, menos cansativo por sua duração.


Se no álbum anterior a banda abraçava o passado alt country, aqui resolveram revisitar a ousadia de discos fabulosos como Yankee Hotel Foxtrot (2002) e A Ghost is Born (2004).
Haja visto a instrumentação levemente experimental de “Infinite Surprise” ou a fabulosa “Sunlight Ends”.
Mas também há espaço para a melancolia doce de Sky Blue Sky (2007), como nas bonitas “A Bowl and  a Puding” e "Evicted".
Novidades? Bom... a última música, “Meant To Be”, tem levada quase dance, isso conta? Se não, ao menos é uma música alegre e refrescante.
O legal é que essa mescla de “wilcos” de diferentes discos e fases não faz do Cousin um disco desigual e isso se deve a produção da cantora/compositora galesa Cate Le Bon que os estimulou a ir por um caminho, digamos, mais arriscado, explorando as possibilidades dos estúdios como dá pra perceber na faixa “Pittsburg” com seus gemidos de órgão e sintetizadores contrapostos à delicadeza do violão e bateria.
Em suma: é um disco bonito, um tanto denso e triste que, segundo entrevistas feitas para a promoção do álbum anterior, deveria ter sido lançado antes de Cruel Country já que foi pensado e burilado antes da pandemia, mas teve que ter seus planos revistos exatamente por conta dela.
É um belo presente de fim de ano antecipado para fãs e – como há um pouco de cada fase nele - para quem quer começar a conhecer a banda.

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