A influência da literatura de Tolkien na música - Especial Blind Guardian (3)

O terceiro álbum do Blind Guardian, já com o prestígio adequado e a maturidade sonora sedimentada, observamos o retorno da inspiração nas obras de Tolkien expresso em algumas faixas. Tales From The Twilight World revela as inspirações do autor diretamente, com destaque para, claro, a semi acústica Lord os The Rings:


Em 2007, foi feita uma remasterização que carrega sutis mudanças na sonoridade na canção, já mais colocada como uma balada, não tão acústica quanto antes.
Esta é sem dúvidas uma das mais claras homenagens à principal obra do lengedarium de Tolkien, O Senhor dos Anéis. Na letra, assinada por Hansi e Marcus Siepen, e na primeira estrofe, ouvimos:

There's one to enslave all rings

To find them all in time
And drive them into darkness
Forever they'll be bound
Three for the kings
Of the elves high in light
Nine to the mortals
Which cry 
(Há sinais no anel / Que me fazem sentir tão depressivo / Há Um para escravizar todos os anéis / Para encontra-los todos em tempo / E conduzi-los para a escuridão / Para sempre serão unidos / Três para os reis / Dos elfos de luz / Nove para os mortais / Que choram)

Esse trecho está parafraseando as inscrições do Um Anel criado por Sauron, no interno da jóia: “One ring to rule them all, one ring to find them, One ring to bring them all. and in the darkness bind them” – “Um Anel para todos governar, Um anel para encontrá-los, Um Anel para todos trazer e na escuridão aprisioná-los na Terra de Mordor, onde as Sombras se deitam.”

Mencionamos diversas vezes sobre o Um Anel, mas não salientamos sobre a sua existência nas histórias, nem mesmo detalhes sobre Sauron. No início dos tempos, antes que os Valar entrassem em Arda (a Terra), Sauron era um dos mais poderosos maiar, aprendiz do Valar, Aulë.
Porém, com o tempo, Sauron se sentiu atraído por Melkor, e tornou-se seu tenente mais fiel.  Melkor surge como antagonista de Beren e Lúthien na balada que conta a história desse casal.  Ele é derrotado, aprisionado nos confins do mundo, e Sauron, intimado à um julgamento, cuja pena, assim que cumprida, obteria a liberdade. Mas, com medo, Sauron fugiu da presença de todos e, talvez pela ausência de seu senhor, tornou-se razoavelmente bom. Mas na solidão e numa espécie de exílio, começou a maquinar o mal novamente, se tornando o segundo Senhor do Escuro na Terra-Média.

Para isso, a sua tática foi conseguir a amizade de alguns na Terra-Média. Usando o nome de Annatar - o Senhor dos Presentes - adotou uma bela aparência e simulou amizade com os Elfos, especialmente Celebrimbor  - foi este quem desenhou os portões de Moria, que comentamos em outra postagem desta série. Celebrimbor era um grande artífice, então Sauron deu a ideia de produzir anéis muito belos, mas que tivessem um determinado poder, para que com eles se consertasse os danos causados pela disputas dos Valar e tornasse a Terra-Média tão bonita quanto Valinor – terra dos Valar. O elfo aceitou. Celebrimbor forjou - sem a ajuda de Sauron - Três Anéis: Narya, o Anel de Fogo, Nenya, o Anel da Água, e Vilya, o Anel do Ar. 
Secretamente, Sauron forjou na Montanha da Perdição, o Um Anel, mais forte e mais poderoso que qualquer um, e com um encantamento que daria o poder de controlar todos os outros, assim como aqueles que os usasse. Com a jóia, Sauron planejava controlar os demais anéis e assim ostentar todos seus poderes. Então, invadiu Eregion, distribuiu Nove Anéis à Nove Reis Homens e Sete aos Sete Anões – apenas mera coincidência com o conto da Branca de Neve! 
No entanto, Celebrimbor descobriu o plano de Sauron e escondeu os Três Anéis nomeados para que esses ficassem fora do conhecimento dele.
Uma nova guerra começava, onde Sauron buscaria os Anéis até onde conseguisse o que culminou a sua primeira derrota, pelas mãos de Isildur.

Ao criar o Anel, Sauron não “percebeu” que, ao mesmo tempo que aumentava o seu poder, o enfraquecia.  Enquanto tivesse o Anel consigo, Sauron podia controlar o poder de todos os outros anéis, e ficava mais poderoso do que antes. Porém, ter “nutrido” tão grande poder próprio no Anel, assegurava a sua existência continuada apenas enquanto o Anel também existisse. Ao ligar-se desta forma ao objeto, Sauron tornou-se dependente dele; sem ele, o seu próprio poder era severamente diminuído, e se este fosse destruído Sauron desapareceria.
E é por isso que, a missão de Frodo na destruição da joia era tão importante em O Senhor dos Anéis.

Tales From The Twilight World de 1990 carrega mais uma faixa com inspiração tolkieniana e desta vez, sobre um personagem muito importante da saga. 




Essa música é uma das minhas favoritas do disco e conta com um vocal estridente reconhecível, duetando com Hansi, e o dono dela é nada menos que Kai Hansen – ex Helloween, frontman do Gamma Ray!
Acelerada, como um speed metal com todos os elementos sonoros presentes, Lost In The Twilight Hall trás como tema da letra o interstício "entre mundos" passado com mago Gandalf, o Cinza, depois de derrotar o Balrog de Moria antes de sua “reencarnação” como Gandalf, o Branco. Totalmente metafórica e até mesmo, poética.

Curiosidade: já que falávamos dos Anéis da Terra-Média, vamos à mais alguns detalhes. O Anel Narya foi adornado com uma pedra preciosa vermelha. O nome, derivado do quenya nár, significa "fogo". Também foi chamado Narya, o Grande, o Anel de Fogo, o Anel Vermelho.
Há algumas idéias sobre com quem ficou cada Anel, mas seria muito preciosismo detalhar aqui. Em resumo, conta-se que com a Guerra dos Elfos e Sauron, Celebrimbor teria dado Narya e Vilya, a Gil-galad, Alto Rei dos elfos de Noldor. Gil-galad confiou Narya a seu tenente Círdan, senhor dos portos de Mithlond, que o manteve após a morte de Gil-galad.  Isso está detalhado no livro póstumo, com recortes das histórias compiladas pelo filho herdeiro literário de Tolkien, Christopher, chamado Contos Inacabados.  Em O Senhor dos Anéis, Gil-galad recebeu Vilya, enquanto Círdan recebeu Narya, juntamente com Galadriel recebendo Nenya desde o início.

Na Terceira Era, Círdan, reconhecendo a verdadeira natureza de Gandalf como um dos Maiar de Valinor, deu-lhe Narya para ajudá-lo em seus trabalhos. É descrito como tendo o poder de inspirar outras pessoas a resistir à tirania, à dominação e ao desespero (em outras palavras, evocando esperança nos outros ao redor do portador), além de dar resistência ao cansaço do tempo, o que define perfeitamente a função de Gandalf na mitologia – mas talvez não muito nas adaptações cinematográficas dirigidos por Peter Jackson em que mostra um Gandalf muitas vezes como um velho esquecido.

Assim sendo, é possível pensar que houve cuidado temático entre as duas canções no disco de 1990, algo que certamente os músicos como fãs, estavam atentos.
Em termos de fantasia, mais uma vez, a capa diz muito e também, considerou todo o gosto que tem por esse tipo de cultura fantástica:


Detalhes: goblins honrando uma espécie de rei encapuzado. Ao fundo, no canto direito, a imagem de um mago de preto e chapéu pontudo. Coisas típicas do imaginário fantástico.
Há também um certo estilo medieval, de castelos de pedra, e até um ratinho, no canto esquerdo.

Nisso, a faixa The Last Candle aparece como bom exemplo do "para além de Tolkien". Esta fala sobre lugares e eventos do universo paralelo Dragonlance criado por Margaret Weis e Tracy Hickman, especialmente sobre as trilogias Chronicles e Legends.
Dragonlance foi publicado pela primeira vez em 1984 (e durou até 2011) e aparecerá mais vezes quando falaremos de outro disco do Blind Guardian, a Night At The Opera de 2002.
A série também inspirou menção na música Wishmaster do Nightwish baseada parcialmente na relação de mestre e aprendiz entre as personagens Raistlin Majere e Dalamar. Mas isso é caso para outra postagem, que deve ser compartilhada em breve.

Das demais faixas, podemos perceber que não só a fantasia, mas a ficção científica caminhava de braço dado com o Blind Guardian, desde o começo de suas carreiras: a letra de Traveler in Time é baseada no romance de ficção científica de Frank Herbert, Duna - vencedor do prêmio Hugo de 1966 -  e considerado o livro de ficção científica mais vendido de todos os tempos. 
Não à toa, há outras referências para essa obra. No âmbito das adaptações, o filme de 1984 dirigido por David Lynch, estrelado Kyle MacLachlan, Francesca Annis e até pelo cantor Sting é famoso, mas foi um fracasso. Confuso, o filme deixa a todos com cara de "que que está acontecendo?"
Mas isso não bloqueou a possibilidade de tentarem de novo, e uma segunda adaptação está à caminho. O longa será lançado em novembro deste ano (caso a pandemia do Convid-19, esteja controlada até lá), foi dirigido por Denis Villeneuve (diretor de Blade Runner 2049 e A Chegada). O elenco conta com Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Dave Bautista, Jason Momoa entre outros.

Não podemos deixar de mencionar que Duna foi inspiração também do Iron Maiden na música To Tame a Land do álbum Piece of Mind de 1983. O autor Frank Herbert não permitiu que a faixa se chamasse Dune. A banda enviou uma carta pedindo permissão e parece que a resposta não foi nada educada: "No. Because Frank Herbert doesn't like rock bands, particularly heavy rock bands, and especially rock bands like Iron Maiden."
Mesmo assim, o dito cujo do autor gostou do filme do Lynch de 1984. Vai entender...

Por falar em filmes, e de ficção científica especialmente, a faixa Goodbye My Friend é inspirada num sucesso da tela grande: E.T. - O Extraterrestre de 1982, dirigido pelo Midas  do cinema, Steven Spielberg. 

Como grandes nerd os bardos ainda se inspiraram em outras obras para compor outras faixas desse excelente discos: mais uma vez, Stephen King aparece como mestre para as faixas Tommyknockers e Altair 4, ambas baseadas no romance de horror e ficção científica chamado The Tommyknockers de 1987. O livro, teria sido produzido sob a influência do autor de horror sobrenatural, H. P. Lovecraft, Sim, aquele mesmo de O Chamado de Cthulhu, que influenciou o Metallica numa eletrizante música de mesmo nome. 

A literatura de horror deu as caras de forma contundente em Tales From The Twilight World. Na faixa Welcome to Dying, os alemães se basearam na obra do americano Peter Straub, chamada Floating Dragon de 1982. Ambientado durante a primavera e o verão de 1980, o romance trata de eventos sobrenaturais que ocorrem no subúrbio de Hampstead, em Connecticut.


Fechando essa terceira parte, deixo para vocês os links da parte 1 e 2 da série Blind Guardian + Tolkien. Até breve com a análise do quarto disco dos bardos. 

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