A influência da literatura de Tolkien na música - parte VII

A brincadeira começou com uma ideia (talvez até entusiasmada demais) sobre o eco que a suas obras garantiram para a cultura em geral, e logo desencadeou uma série de postagens. Passaram por aqui o que o Led Zeppelin absorveu da literatura de J. R. R. Tolkien, bem como o Rush, Genesis, Black Sabbath e, na semana passada, o Pink Floyd
Acreditem, não comentei nem um terço sobre músicos que leram Tolkien e se espelharam nele em algum momento de suas carreiras para escreverem letras ou batizarem suas bandas. 

O Senhor dos Anéis foi uma obra muito lida na época em que músicos queriam também mostrar os seus dons artísticos e/ou canalizarem seus talentos em forma de som. Essa principal obra do Tolkien começou a ser rascunhada bem antes da década de sua publicação. Na contra cultura, teve uma "ressignificação" importante nos debates históricos - embora, vale destacar sempre, que essa nunca foi a intenção do escritor. 
Dali em diante, ele passou a ser cada vez mais lido por muitos jovens ao redor do mundo. Nos anos 2000, teve um "ressurgimento", por assim dizer, da obra com as adaptações cinematográficas dirigidas por Peter Jackson. Na música, especialmente no cenário do rock pesado, Tolkien era mais que cultuado. 
Sempre penso que tudo isso faz com que o legado do autor, seja atemporal. Não importa o contexto histórico com as quais ele é recolocado, sempre há alguma mensagem que parece propositalmente  (ou não) encaixada. Por isso, tanta gente se fascina com seu trabalho. E isso o torna, ao mesmo tempo, complexo e fabuloso. 

Que o rock progressivo pareceu ter uma ligação direta com a literatura maravilhosa do autor inglês isso ficou bem claro nas postagens anteriores. Das cindo bandas citadas, pelo menos quatro delas, flertavam fácil com o estilo. 
Detalhando as estrofes das letras e compreendendo a atmosfera das canções, todas as cinco bandas  imprimiram sons que fazem completo sentido para o melhor fã do autor. O entusiasmo dos músicos também fez um trabalho de propaganda para seu público. Aquele que se apaixona pelo que ouve, sente a necessidade de saber tudo sobre a música que tocou sua alma. A inspiração torna-se conhecida também pelo outro lado: a música garante mais leitores de Tolkien.
Mas nem sempre a música de fato é advinda de influência do professor ou uma homenagem expressa. Em alguns casos, músicos nem percebem que foram arrebatados por ele.
O renomado ex-tecladista do YES, Rick Wakeman, compôs a épica The Shire, possivelmente baseada - como o próprio título já diz - no Condado, local onde viviam os hobbits. 
Presente no disco Songs of The Middle-Earth, este foi oportunamente compilado para o mercado de fãs do Tolkien. Ao que parece, não é a toa a falta de informações precisas sobre a canção. O que encontramos é que a BMG se apropriou de material das gravações de Heritage Suite (1993) e The Seven Wonders of the World (1995) de Rick Wakeman, intitulando as músicas com base em vários nomes e lugares dos romances de Tolkien, colocaram neste CD para parecer que o músico passou um tempo em seu estúdio para trabalhar em um álbum de homenagem. Não parece ser o caso.
Mesmo assim, numa pequena pesquisa que qualquer um de nós fizermos ao Google encontrarão a citação do ex-Yes como um dos influenciados pelo legado do autor inglês e os fãs casuais podem comprar facilmente a ideia.

No entanto, a produção dos disco não parece assim tão desastrosa. Uma rápida olhada na discografia de Wakeman é perceptível que as suas influências acerca da literatura: Journey to the Centre of the Earth, o terceiro álbum lançado em 1974, é uma adaptação livre baseada no livro Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne. Além deste, The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table é o álbum seguinte, lançado em 1975 e era o seu terceiro álbum conceitual de rock,  neste caso, baseando-se na lenda do rei Arthur. 
Songs of The Middle-Earth pode não ser original, mas a produção é limpa, com técnicas e acrobacias musicais abundantes. 


A música é instrumental, deixa bem clara sua proposta, nos transportando para as colinas verdes do Condado. Mas não sem dificuldades. Há uma ressalva pessoal: sinto que não só The Shire, como as demais músicas que carregam no título algo relacionado à lugares da Terra-Média, são climáticas, porém um tanto modernas demais. Sou mais propensa a gostar das músicas que já apresentei aqui em outras postagens.

Vai parecer contraditório, mas a "modernidade" com teclados, sintetizadores do compositor Dennis DeYoung não é o que afeta negativamente a música Lords of The Ring do Styx. A última  faixa do lado A do oitavo disco de estúdio dos americanos, Pieces of Eight (1978) tem lá uma baita dose de modernidade num hard rock expressivo, mas apesar disso, não causou estranhamento com a temática:


All hail to the Lords of the Ring
To the magic and mystery they bring
To the music in their story

All hail to the Lords of the Ring
To the magic and mystery it brings
May we someday wear its glory

(Todos saúdam os Senhores do Anel / Para a magia e mistério que eles trazem / Para a música em sua história // Todos saúdam os Senhores do Anel / Para a magia e mistério que traz / Que um dia possamos vestir sua glória)

Mais que um relato sobre a história, a música é considerada uma homenagem ao livro Lord of The Rings em si. O mais chato dos fãs diria que na letra menciona "lords" - senhores - do anel, e não apenas, "senhor". E pode até ser daqueles petulantes, mas não estaria completamente errado. 
Numa entrevista ao Classic Rock Revisited, DeYoung - tecladista e vocalista do Styx - revoltou-se com a má interpretação sobre a música em questão. Advertiu que não é sobre Tolkien, mas sim sobre as estrelas de rock que se acham as melhores figuras, os reis do entretenimento: 

"Era a minha versão de ser bem sucedido. Eu estava dizendo que ser realeza do entretenimento era pura fantasia. É mitologia sob o disfarce de ser uma estrela do rock, mas que simplesmente não é verdade". 

No álbum Pieces of Eight a intenção era abordar o sucesso, o fracasso e o dinheiro como temas, o que, mesmo que DeYoung tenha negado, o título da canção se encaixa mais à Tolkien do que ele pensa. 
Ele mesmo falou que para compor a letra quis deixar claro sobre essa elevação da cultura na figura do rockstar e que isso é uma fantasia. Pois bem. Eu digo que se "empodera" muito a classe artística, especialmente hoje, em tempos de pensamentos tão obscuros. Confere-se à qualquer artista uma obrigação intelectual que, além de massagear o ego, se não tomam cuidado, pode ser perigosíssimo. O artista exaltado pode se achar superior e capaz de tudo, anulando a humildade, a decência e também, se esquecendo dos defeitos, experimentando quando menos se espera um julgamento cruel em um simples deslize.

Obviamente, a interpretação simplista e não a metafórica foi a que sobressaiu em Lords of the Ring. Porém, apesar de não ver como homenagem ao Tolkien, li a declaração do compositor como uma reação indireta que está de mãos dadas ao que Tolkien também aborda: O "Senhor do Anel" - Sauron - era a representatividade da cobiça e do poder na mitologia tolkieniana. A interpretação dos demais não foi totalmente errada, Sr. Dennis DeYoung. Dá para aliviar!

Brincadeiras à parte, semana que vem nos encontraremos em um momento menos polêmico. Enquanto músicos aproveitaram-se ou foram vítimas da "onda do Tolkien", outros fizeram tudo em honra do autor. No próximo post falaremos dos alemães do Blind Guardian - a mais conhecida banda entre os fãs "mais fervorosos" do professor. 

Até lá, abraços afáveis e Musique-se!

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