Oscars 2022: Pior cerimônia da história? Talvez...

Não vou tecer elogios, pois houve muito pouco da cerimônia da premiação do Oscar que desse satisfação em assistir.
E eu nem estou dizendo isso porque não gostei de boa parte dos filmes indicados ou que não concordo com quase todos os vencedores. 

Quem acompanhou o Musique-se na última semana pode conferir uma série de 7 matérias com críticas em algumas categorias do evento:  Melhor Animação, Melhor Ator e Atriz CoadjuvantesMelhor Trilha Sonora e Canção Original, Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Atriz e Ator principais e por fim, Melhor Filme (dividido em duas partes - e ). Em todos os textos fiz questão de deixar claro quais os meus gostos pessoais e quais seriam as possíveis escolhas da Academia. Acertei boa parte delas, mesmo indo contra toda a minha preferência.
E porquê? Porque já sei que os discursos são muito mais prioritários que de fato, dar estatuetas para quem fez um bom trabalho. A premiação mais famosa do universo hollywoodiano tem sido assim – ou por lobby, ou por políticas – há anos. 

Está bem certo dizer que os Oscars nunca foi o melhor entretenimento do mundo. E também, que nunca foi muito fácil de assistir. Sempre houveram as categorias em que monte de gente que trabalha atrás das câmeras, sobem nos palcos, e falam sem parar, agradecendo até o papagaio do vizinho. Quantas vezes não gravei as transmissões e passei para frente a galera que venceu por... Melhor Documentário-curta?

E aí que está. Essa categoria, e outras, como Melhor Curta de Animação, Melhor Curta-metragem, Melhor Documentário, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Edição, Melhor Som, Melhor Trilha Sonora e Melhor Design de Produção, foram todas anunciadas antes da cerimônia começar.
Com o intuito de agilizar o processo? Eu quis acreditar que sim. 

Mas na verdade, eles estavam querendo era testar a nossa paciência com esquetes e quadros, executados da pior forma possível. 

Com uma abertura de Serena e Venus Williams, quase confundimos com um evento de prêmios esportivos.
Em um número musical, com Beyonce entoando os seus prolongamentos de fraseado (irritantes, diga-se de passagem) na música-tema de King Richard: Criando Campeãs, "Be Alive", beiramos o lance cafona que todo evento dos Grammys oferece sem o menor pudor. A cantora e as moças que a acompanhavam, apareceram com vestes verdes, com bastante filó, fazendo alusão às bolas de tênis e isso foi totalmente cafona. Já começava aí o arrependimento em acompanhar o evento. 

O "monólogo" das três apresentadoras escolhidas para a cerimônia (da foto: Amy Schumer, Regina Hall e Wanda Skyes) logo no começo teria sido acertada se não soubéssemos, antes de começar, que viriam um monte de (in)diretas sobre mulheres receberem menos, homens assediadores, a aparência física de alguns, e papinhos sobre gênero e sexualidade. 

Essas coisas todas, não costumam ter graça. Talvez nunca tivesse. Abusando do fraco sarcasmo para fazerem pose de que a Academia está preocupada com isso e está do lado delas, na verdade, denota que até o pessoal da luta, tem graves problemas para serem resolvidos na sala de terapia.
As atrizes (ou cantoras que se aventuram a ser atrizes) continuam entregando papéis inferiores à de muitos caras por aí, que sequer são indicados. E muitos caras continuam a fazer papéis ruins e são indicados. Não é mais (e talvez nunca tenha sido) questão de qualidade. Isso já é passado. Hoje depende muito mais da sua imagem, do que você faz e fala, do que necessariamente o que você entrega. 

Então, o padrão de fazer umas graças com a própria desgraça, não tem... graça? Pois é. 
Incrível que além disso, elas também ofendem.
Como puderam achar bacana revidar as piadas sexistas que ouviram por anos, agora, acusando não presentes de pedofilia, por exemplo? 

Eu acho baixo nível. Mas não me importo. Humor é isso. Quer fazer dessa forma? Tem que botar a cara à tapa (calma, ainda não cheguei lá...). Se não achar graça, não ria. 
E eu não ri do trio em nenhum momento do evento. Nem mesmo quando criticaram Lady Gaga e Jared Leto pelos seus sotaques horríveis no filme Casa Gucci. Mesmo concordando com elas. Porque é assim que o jogo é jogado. 

Há muito tempo as "piadolas" que se fazem nos Oscars você detecta pelo menos uma que foi longe demais. Ou várias, que geralmente são críticas à política ou ao comportamento social tipicamente americano que você, pobre mortal que está de pijamas assistindo ao evento, com a barriga cheia de macarrão instantâneo, dá uma bufada de impaciência, enquanto espera para ver qual filme venceu e ir dormir porque, ao contrário deles, tem que trabalhar na segunda-feira. Nessa edição, se esqueceram completamente que foi para isso que estavam fazendo o 94º Awards.  

Não houve algo aos moldes de Rick Gervais no Globo de Ouro de 2016. Mas esse foi elogiado na época, pela coragem em fazer os "celebrities" ruborizarem com suas hipocrisias sendo jogadas em suas caras. Pegou pesado, mas ninguém deu um tapa nele. 

- "Porque o que ele disse, era piada."

- "Com um tom de verdade."

- "Mas ofendeu."

- "Mas ofendeu porque era verdade." 

- "Mas é piada, o cara é comediante!"

Ok. Segura aí. 

Um bom exemplo de que as ironias das apresentadoras são superficiais e hipócritas, a gente encara no prêmio de Melhor Direção: Jane Campion fez um ótimo trabalho em Ataque dos Cães. Que isso fique claro.

O filme tem 3 homens e uma mulher como atores centrais para o desenvolvimento da trama. Os quatro concorreram às categorias de atores. Nenhum deles venceu. Sequer chegaram como favoritos. O filme perdeu em outras tantas categorias, inclusive a de roteiro adaptado. Só Jane foi premiada. Como uma diretora é premiada, se nada mais foi considerado no mesmo corpo de avaliadores, em outra categoria? Como trabalho dela foi excelente a ponto de ter sido a única coisa que prestou no filme? Não, não faz sentido.

Ultimamente, não tem feito sentido e eles não se importam mais com a coerência. Jane ganhou o Oscar porque se perdesse, destronava todo o papo de apoio incondicional às mulheres de Hollywood. 

O ser sobrepõe o fazer. Como eu disse. 
Mas a pior contradição ainda estava por vir. Algo que saiu do controle deles, mas que escancarou algo muito preciso sobre todo esse lance de premiar quem é e não o que fizeram de contribuição para o cinema. 

Depois de um fraco ibope na edição passada, parece que tentaram fazer com que o evento abandonasse certas tradições mais conservadoras e investisse na... palhaçada. Não há outro termo.
Discursos das categorias que receberam os prêmios antes da cerimônia começar foram editados com um curto clipe, inserido na transmissão de forma jogada e sem a importância. Um discurso bonito, só para citar como exemplo, do ator e músico Riz Ahmed, que recebeu o prêmio do documentário The Long Goodbye, foi suplantado por uma sequência de micagens que simplesmente encheram o nosso saco, mais do que os desconhecidos que vão lá agradecer produtoras. 

Em suma: a importância às gracinhas colocou o foco – os filmes – como secundário. 

Atriz coadjuvante que fez as mesmas caras que a anterior, no filme origem do remake, ganhou Oscar por saber imitar a predecessora.
Um filme baseado em um livro de ficção científica ganha praticamente todas as categorias técnicas, mas não ganha de roteiro adaptado.
Ninguém ainda se tocou que o filme vencedor é idêntico à um filme francês, de 2014, mas que os americanos enlataram e venderam agora como a coisa mais emocionante já vista. 

E piadas, e piadas, e mais piadas horríveis, números musicais horríveis foram empurrados para aguentarmos e os indicados (mesmo que eu não tenha gostado do que fizeram), os que realmente deveriam ter seu devido holofote pelos papeis que desempenharam, não tiveram crédito suficiente. Uma dica: Jessica Chastain, fez um baita papel, e ninguém falou nada sobre seu agradecimento ou sua presença ao receber o Oscar e Melhor Atriz. 

Então, é ou não é a pior cerimônia da história?

Mas o ápice estava por vir. Apelando de todo jeito para ter público, acabaram conseguindo. E sem consentimento. O mundo todo só comentou uma coisa: o tapa que o indicado pelo filme King Richard, e favorito absoluto na categoria de Melhor Ator (mas não o melhor de todos, para variar) Will Smith, dera em Chris Rock, o comediante que fez sucesso sobretudo com o seriado Todo Mundo Odeia o Chris.

Os presentes deram gargalhadas com Chris quando ele entrou no palco e começou a falar. Ele brincou com um pessoal e decidiu brincar com Jada Pinkett Smith, esposa de Will, mencionando que ele estava aguardando que ela fizesse a sequência de G. I. Jane

Will riu. Jada revirou os olhos. Ao perceber isso, Smith levantou-se e foi até o palco. Chris Rock percebeu o que ia acontecer, colocou os braços para trás e abaixou a cabeça. Will deu um tapa de mão aberta em seu rosto. Havia umas risadas.
Acharam que era parte do show? Bom, não era. Sentando-se, Will disse para não falar mais no nome da mulher, nervoso. Um chá de climão foi servido em questão de segundos. 



O que é o filme em questão? Aqui no Brasil, o título de G. I. Jane é Até o Limite da Honra, e duvido um pouco que o pessoal que estava debatendo o caso, ontem, tivesse noção do que se trata esse filme. O plot é simples: Uma mulher (interpretada pela Demi Moore) quer passar pelos treinamentos pesados do exército, como um homem. E um comandante (Viggo Mortensen) quer fazê-la desistir, por isso, ele faz de tudo para ela reconhecer que ali não é o lugar dela. Spoiler: ele é quem "desiste".  Depois de apanhar que nem uma condenada e raspar o cabelo, ela triunfa com o objetivo alcançado.

Nossa, mas porque a fúria de Will? Parece um bom filme. 
É um pouco forçado o longa de 1997 dirigido pelo aclamado Ridley Scott. Mas é um filme de ação, então, se você gosta, assista. Não é tão ruim quanto parece pelo resumo fajuto que eu dei. 
Porém, um detalhe é importante: o filme é famoso porque Demi Moore, sempre considerada sexy symbol, na época, raspou os cabelos para fazer o filme. E ficou bonita, ainda assim. 

Para os desavisados, Jada está com a cabeça raspada. Ela sofre de alopecia, uma doença auto imune que tem como reação, a queda de cabelos. Aparentemente isso era assunto abordado pela própria, em uma entrevista de 2018. No entanto, na segunda-feira, isso se tornou notícia nova.

- "Então a piada foi por uma doença? Poxa, Chris é um idiota. Will devia ter batido mais."

- "Ah, mas poucos sabiam que ela está doente, nem mesmo Rock, então, foi só uma piada ruim, não justifica a violência."

- "Rock vive fazendo piadinha sobre Jada..."

"Will é um problemático, quem conhece ele sabe que também tem rompantes de estrelismo..."

Depois do acontecido, o evento continuou, intragável como antes, patético como nunca.

Will recebeu o Oscar de Melhor Ator. Um prêmio que já era forçado pela representatividade, antes mesmo de acontecer o fatídico tapa. Não foi seu melhor papel, mas premiaram pela carreira. Muitos artistas receberam suas estatuetas douradas assim. Outros passaram muito mais tempo sendo indicados até serem esquecidos. Mas Will foi considerado muito mais rápido que eles (ou elas).

Smith, no entanto, chorou em seu discurso e mencionou Richard, o seu papel no filme, dizendo que ele defendia a família. Assim, justificou o ato que estava ainda sendo comentado em todo lugar. Contou que Denzel Washington chamou a sua atenção pela atitude. Pediu desculpas e disse que esperava ser convidado no ano que vem. 

Agora, passado alguns dias, sabemos que ele foi convidado a se retirar e que a Academia vai apurar a situação, por não compactuar com atitude do artista.

Confio que Will não é uma má pessoa. Deu mancada nessa. Deixou que o sangue fervesse na frente de várias pessoas e das câmeras. Vai ficar marcado para sempre, como o Oscar em que ele bateu em um comediante, enquanto este fazia o seu trabalho. Acontece? Sim, infelizmente. 

Ruim ou não, isento Chris de ter agido em suposta má fé. Já disse e repito: humor é assim. Não achou graça, não ria. Precisa ter limites? Bem, qual é o seu limite? Provavelmente é diferente do meu.
Então é muito subjetivo determinar isso. As três atrizes contratadas para fazer a apresentação, deram um monte de bolas fora também. É um risco que se corre nesse campo. A tentativa e erro é muito maior do que se pensa. 
No entanto, não há lado 100% certo, como tudo nessa vida.

Em contrapartida, é preciso dizer que havia muitas opções mais sensatas para Will agir. Ele tinha a faca e queijo na mão: era favorito, e é um cara boa praça. Poderia ter pensado melhor e feito somente cara feia, até que Rock soubesse que estava incomodando. Poderia falar no discurso de aceitação do prêmio, sobre o sofrimento da esposa e dizer que Chris Rock, foi infeliz na colocação. Havia diversos jeitos de mostrar superioridade, inclusive ter saído da plateia, e voltado depois, com a cabeça fria. Nesse tempo, poderia ter decidido, processar Chris Rock. Em todas as opções, a violência não estaria em nenhuma delas.

Enquanto os gringos estavam sem entender o que rolou direito, o Oscar se posicionou contra a atitude e dando a deixa que, de fato, apesar de terem esperado ver o cara subir no palco e fazer o que fez, a coisa não foi armada. E pegou mal. 

Ao longo da semana, duas falas - do também comediante e ator Jim Carrey e do ex jogador de basquete Kareem Abdul-Jabbar - lançaram luz sobre o assunto com uma sensatez sem igual. No caso de Karrem, como homem negro, suas críticas à Smith são muito fortes. 

Rock não prestou queixas, alegando que não sabia que ia chegar a esse ponto e admitindo que a piada foi ruim. Will pediu desculpas mais uma vez, inclusive ao comediante, em meio a um debate sobre tirarem o seu Oscar. Sobre isso, acho medida muito extrema e alarde midiático, mas dia 18 de abril a Academia vai tomar uma decisão. 

Aqui no Brasil, o tapa foi o mais importante, afinal, brasileiro gosta de um mal feito e gosta de dar palpite naquilo que ele não lhe diz respeito, como paladinos da moral.
Usaram, sem vergonha alguma, como problemática justificada para exalar o ódio que nossa sociedade tem com aqueles que fazem o trabalho deles e são alvos de todo tipo de crítica: os comediantes. 

Um monte de gente começou ameaçar os nomes mais ácidos e conhecidos do país. A raiva de muitos jornalistas, políticos e artistas com comediantes brasileiros mostra o quanto essa classe "artística/intelectual" de nosso país é fraca e vaidosa. Não sabem admitir os próprios defeitos, nem as contradições. São uns ressentidos soberbos, com algumas referências. 

Para variar, as redes sociais, sobretudo o Twitter, virou uma guerra campal sobre o assunto. Boa parte "passava pano" para a atitude do Will, com os argumentos mais babacas já vistos.  A direita conservadora e esquerda radical, fizeram coro. Para eles, comediantes devem tomar soco mesmo, e dos dois lados da cara. 

Quem diria? Todo Mundo Odeia Comediante... Isso diz bastante sobre a polarização política que vivemos, e a ruptura moral que todos nós, cedo ou tarde, enfrentamos. 

Engraçado que essa é premissa geral de um dos indicados (e ignorado) Não Olhe Para Cima: um assunto sério é sobreposto por uma polêmica qualquer, que viraliza nas redes sociais, todos tem uma opinião sobre e partem para impor a sua visão à qualquer custo. Se rompe lados a serem tomados, como se fosse realmente muito importante.
Adam McKay foi sagaz demais. Pareceu uma cena extra de seu filme e ele deve ter dado gargalhadas só de pensar o quanto foi providencial. 

Depois do incidente, havia ainda Oscar para acontecer. Mas tudo foi eclipsado pelo fatídico tapa. Tudo que aconteceu antes e depois, simplesmente desapareceu para dar lugar à algo que nada tem a ver com cinema, com entretenimento ou com boa publicidade.

Uma tirinha, vista ontem, resume bem o acontecido:

Quem afinal, venceu?
Pouca gente sabe responder. E é por isso que tudo pareceu muito ruim em todo o processo. 

No fim, os discursos (irônicos ou não), que queriam jogar luz na necessidade de haver mais diversidade, e no afã de se adequarem à linguagem dos novos tempos, o evento acabou sendo emoldurado numa cena não programada, que dá indícios de tudo que Hollywood tem de sobra, ainda: intolerância, insensibilidade, incapacidade de rir de si mesmo, vaidade e egocentrismo, e violência (ainda que "leve", afinal, Chris nem chegou a cair no chão). O tiro, então, saiu pela culatra. 

2022 entregou, muito provavelmente o Oscar da história. 
Não é de surpreender.   

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